terça-feira, 7 de dezembro de 2021


07 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Chega de apertar mãos

A pandemia está acabando com os apertos de mão. Até que enfim. Nunca gostei de apertar mãos. Até porque, francamente, esse é um costume superestimado. Quando era guri, os adultos davam aulas sobre como apertar bem uma mão. O homem, diziam, precisa ter um aperto firme. Denota sua força, seu caráter íntegro, sua personalidade marcante. Uma mão que se estende mole para o cumprimento significa que o homem que está atrás dela é inconfiável. Afinal, ele não está cumprimentando com vontade, ele não está feliz de encontrá-lo. Ele é traiçoeiro. Cuidado com ele!

Essa crença, além de carecer de comprovação científica, fez com que homens de todas as idades se transformassem em trituradores de falanges, falanginhas e falangetas. Mas os piores são os mais velhos. Não os velhos: os mais velhos. Os maduros, digamos assim. Quando conheço um sujeito de certa idade, cheio de energia e disposição, e ele dá um bom-dia vigoroso, estilo Mourão, e me apresenta aquela mão do tamanho de uma raquete de tênis, já sei: trata-se de um maldito quebrador de metacarpos.

É horrível.

Existe também uma grossa polêmica sobre o tempo em que uma mão deve ser apertada. Tem caras que capturam a sua mão e não param de balançá-la. Eles ficam balançando e falando ao mesmo tempo. Isso me angustia, porque, se eu puxar a mão, parecerá falta de educação. E, se mantiver a mão, parecerá que estou gostando daquela sacudidela sem fim.

Conheço sacudidores de mãos furiosos. São afetuosos, sei, eles sacodem a minha mão com tanto entusiasmo porque estão felizes de me ver. É bacana, mas, em certo ponto, começa a incomodar. Quando é que vai parar com aquilo? Dá vontade de gritar:

- Me larga! ME LARGA!

Claro que não farei isso. Assim como não recusarei apertar uma mão, mesmo que ela esteja pingando de suor, como sói acontecer. É verão, 40 graus, e o sujeito vem de lá todo suado. Você vê que ele está gotejando e sabe que ele lhe oferecerá a mão. É inevitável, ele fará isso, você o conhece. Não há como recuar, não há como sair correndo, aquela mão lustrosa, úmida e gorda já vem na sua direção e vem toda aberta, pronta para um bom apertão. Você sente uma aflição, você quer fugir, mas é tarde, a mão chegou e você a aperta. Sente o suor do outro penetrando-lhe os poros, mas continua sorrindo, impávido e lívido ao mesmo tempo.

Por delicadeza, perdi a minha vida, já dizia Rimbaud.

Não, não gosto de apertar mãos. Os americanos é que estão certos: eles apertam a mão de alguém uma única vez na vida, quando conhecem a pessoa. Depois, nunca mais, só troca de sorrisos a uma distância segura, nada de troca de germes.

Sempre pareceu antipático da minha parte, isso de não ser um apertador de mãos. Agora, a pandemia veio me redimir. O soquinho está bom. Menos pessoal, é verdade. Mas muito mais higiênico.

DAVID COIMBRA

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