segunda-feira, 9 de dezembro de 2013


09 de dezembro de 2013 | N° 17639
L.F. VERISSIMO

Confronto

Em vários mitos de criação, a existência do mundo se deve ao confronto de uma força do bem com um inimigo maligno, numa luta que atravessa os tempos. No universo do candomblé, orixás bons e orixás ruins brigam sem parar pelo controle das nossas almas.

Na cosmogonia cristã, embora não apareça na Bíblia, o Diabo é o outro filho de Deus, o anjo caído que inferniza a vida do Pai e o enfrenta pela eternidade. (Segundo alguns teólogos heréticos, Deus só fez a luz para que o Diabo não tivesse como se esconder dele. Assim, devemos a criação do mundo não a Deus, mas ao Diabo.)

Pode-se, com alguma boa vontade, dizer que a vida econômica das nações vem sendo regida por um enfrentamento parecido de opostos, no caso as teorias do austríaco Friedrich Hayek, deus dos neoliberais, e do inglês John Maynard Keynes, defensor do estado interventor. A analogia só não é completa porque – ao contrário de orixás e anjos desgarrados – não se sabe com certeza que lado é o bom e que lado é o maligno nesse confronto.

Richard Nixon surpreendeu todo o mundo quando, na presidência dos Estados Unidos, declarou “Somos todos keynesianos agora”. O tempo mostrou que sua afirmação tinha sido prematura. Nos anos seguintes, o neoliberalismo conquistou os corações e mentes da maioria dos economistas e nem desastres como a crise financeira causada pela desregulação dos bancos – ou seja, pelo estado mínimo dos sonhos neoliberais – diminuíram sua força. Enquanto isto, o keynesianismo sobrevivia na sua forma espúria, como subsídio do governo ao complexo militar-industrial americano.


Os recentes protestos na Europa contra medidas de austeridade de acordo com a receita neoliberal podem significar uma reação do keynesianismo ao predomínio do inimigo – ou não. Os economistas mais influentes, ou pelo menos mais salientes, do mundo continuam do lado de Hayek e da suposta sabedoria do mercado. Há exceções, claro, mas não se pode continuar lendo só o Paul Krugman todo o tempo.

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