09
de novembro de 2013 | N° 17609
CLÁUDIA
LAITANO
Ídolos e
devotos
Assim
como nem todos os apaixonados querem dizer exatamente a mesma coisa quando
oferecem um “eu te amo” ao ser amado, nem todos os fãs veneram seus ídolos da
mesma forma. Um “eu te amo” pode ir de um simples “gosto da ideia de ser visto
ao seu lado” ao abnegado “daria minha vida para salvar a sua”, passando pelo delirante
“seria capaz de matar por sua causa”.
Fãs
podem ir do “gostaria de ter todos os seus discos” ao “vou tatuar seu nome na
minha testa”, passando pelo “visto a camiseta, mas não ouço a banda”. (Para
essa última categoria, aliás, a dos que fingem conhecer um artista porque, de
alguma forma, isso agrega valor ao camarote, usa-se o termo “poser”. Ser um
“poser” é mole em tempos de Google: em cinco minutos de pesquisa, o fã de
ocasião descobre tudo o que precisa saber para manter uma conversa de cinco minutos
sobre quase todos os artistas que já pisaram sobre a Terra.)
No
extremo oposto dos “posers” estão os “devotos”. A apropriação de um termo do
universo religioso não é casual: o devoto não se contenta em “fruir”, que é uma
linda palavra para descrever esse misto de prazer sensorial e transcendente que
a arte nos proporciona. O devoto deseja se submeter, abrir mão da identidade e,
se preciso, do próprio bem-estar, em nome do ídolo. E o que ele ganha em troca?
A sensação de que faz parte de algo maior, de que encontrou uma tribo para
chamar de sua em meio à oferta virtualmente infinita de identidades que nos são
oferecidas como bônus para cada produto que escolhemos consumir – do tênis de
marca aos recitais de mandolin.
Como
em uma espécie de culto pagão, os devotos não hesitarão em se autoimolar pelo
ídolo. Passam frio, fome e desconforto e são capazes de acampar na frente de um
estádio 30 dias antes de um show para garantir o melhor lugar para as
oferendas. Quanto maior o sacrifício, mais digno da grandeza do ídolo se
sentirá o devoto.
Celebridades
colocadas na posição de objeto de devoção podem reagir de diferentes formas.
Algumas serão acometidas por aquela angústia, não exclusiva das pessoas
famosas, de que não passam de uma fraude e não estão à altura do altar em que
foram colocadas. Outras vão se convencer de que são realmente criaturas
sobre-humanas e merecem ser tratadas como tal. Há ainda os que ficam tão
dependentes do culto, que serão capazes de sacrificar a própria vida para fazer
dela um espetáculo permanente.
Olho
para o senhor Paul McCartney, há mais de 50 anos sob os holofotes, ou para o
senhor Lou Reed, que morreu há alguns dias, olhando para as árvores do seu
quintal e fazendo tai-chi, e penso que carregar o fardo e a glória de ser um ídolo,
por tantos anos, exige um tipo muito especial de sabedoria. É preciso aprender
a separar a fama, que nasce e morre independentemente do que se faça a
respeito, da arte – e ambas da vida. Acima de tudo, é preciso suportar a
devoção sem realmente acreditar nela.
Essa
sabedoria, porém, nem sempre está ao alcance dos meninos-prodígios. Alguns são
até talentosos, mas mal conseguem descolar-se do personagem do ídolo sem que um
pedaço da própria pele se descole junto – em meio a oferendas, lágrimas e
sacrifícios que nunca realmente chegam ao céu.
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