09
de novembro de 2013 | N° 17609
O
PRAZER DAS PALAVRAS | CLÁUDIO MORENO
Bimensal
Um
leitor de Porto Alegre, que usa o pitoresco pseudônimo de Fenergan, diz não ter
entendido muito bem a declaração de um proprietário de casa noturna dada a um
telejornal local: depois de informar que tinha contratado uma firma
especializada para fazer inspeções bimensais na rede elétrica de seu
estabelecimento, aproveitou para avisar o público de que, a cada dois meses,
teria de fechar por três dias seguidos para que este serviço pudesse ser feito.
“A cada dois meses, professor?
Bimensais?
Eu jurava que seriam de 15 em 15 dias, mas, para minha surpresa, as obras que
fui consultar não me tiraram a dúvida, pois Napoleão Mendes de Almeida, em seu
Dicionário de Questões Vernáculas, sustenta que bimensal é sinônimo de
bimestral; para tanto, remonta à origem latina e menciona Aulete e Cândido
Figueirdo como autoridades”.
Meu
caro Fenergan, não há dúvida alguma de que ambos foram feitos do mesmo barro:
ambos ostentam o prefixo bi- e ambos derivam de mês. O produto final, contudo,
é totalmente diferente. O velho Napoleão Mendes de Almeida, às vezes tão
esperto, às vezes nem tanto, faz aqui uma grande mistura de opinião com
etimologia.
Recorre
ao Latim e ao Inglês para nos informar, com veemência, que bimensal e bimestral
vêm do mesmo radical (até aí morreu Neves...), para então deduzir que as duas
palavras podem ser usadas uma pela outra, já que dizem mesma coisa. Ora, esse é
aquele tipo de raciocínio equivocado que chamamos de non sequitur (“não se
segue”, isto é, a conclusão não é apoiada pela premissa), pois nele está
escondida a presunção absurda de que uma palavra é imutável como uma pedra
preta.
O
discutido Cândido Figueiredo e Caldas Aulete, nosso venerável dicionarista da
Belle Époque, realmente registraram bimensal com o mesmo significado que
atribuímos hoje a bimestral (“de dois em dois meses”). No entanto, se os dois
termos um dia chegaram a ser sinônimos, hoje deixaram de sê-lo, pois felizmente
a língua fez aqui o que sempre deveria fazer nessas situações: aproveitou a
duplicidade de formas para marcar, com elas, uma utilíssima diferença
semântica.
O
Aulete atual faz uma distinção taxativa entre os dois vocábulos, acompanhando o
Houaiss e o Aurélio: bimestral, que está vinculado a bimestre, (da mesma série
de trimestre, quadrimestre, etc.) é o que ocorre de dois em dois meses;
bimensal, que deriva de mensal, é o que ocorre duas vezes por mês. Uma casa
noturna que sofra inspeções bimestrais estaria muito segura se elas fossem
bimensais; neste último caso, em nome da clareza, seria recomendável falar em
quinzenal, uma palavra que todos entendem da mesma maneira.
Infelizmente,
nosso idioma não dispõe de distinção semelhante quando se trata de anos. O
léxico não é necessariamente simétrico. Se bimensal significa duas vezes ao mês
e biebdomadário significa duas vezes por semana, bianual deveria corresponder a
duas vezes por ano, cabendo a bienal, associada a biênio, designar as coisas
que acontecem a cada dois anos.
Os falantes, contudo, também usam bianual com
este mesmo sentido; a Bienal do Mercosul, por exemplo, é um evento bianual...
Alguns dicionários registram uma terceira forma, bisanual, perigosamente
ambígua (e, portanto, inútil), por atribuírem a ela ambos os significados
(tanto de dois em dois anos quanto de duas vezes ao ano).
Essas
diferenças, quando existem, são extremamente valiosas, e a morte de uma delas
sempre deixa a língua mais pobre. Uma que está periclitante, atualmente, é a
que existe entre atrativo e atraente. “Com as novas taxas, nossos fundos de
investimento ficaram muito mais atrativos”, diz o comercial. Não; ficaram mais
atraentes. Embora venham ambos do verbo atrair, têm valor e uso diversos.
Atraente é o adjetivo que qualifica aquilo que atrai, seduz, encanta: “a
proposta era atraente”, “a solução mais atraente”, “era uma pessoa muito
atraente”.
Atrativo
é o substantivo que designa os detalhes que atraem: “esta ilha tem atrativos
turísticos”, “seu maior atrativo era a baixa taxa de juros”, “é difícil
resistir a seus atrativos”. Para o uso geral, vale ainda a velha (mas
interessante) correlação entre ter e os substantivos e entre ser e os
adjetivos.
Lembram
os leitores? Os bons professores ensinavam que temos substantivos, mas somos
adjetivos: eu tenho medo (substantivo), mas sou medroso (adjetivo); elas têm
inteligência (substantivo), mas são inteligentes (adjetivo); a poupança tem
novos atrativos (substantivo); ela é (ou ficou, parece, etc.) mais atraente
(adjetivo).
Aproveito
para lembrar aos amigos que no último domingo da 59ª Feira do Livro da Capital,
dia 17, às 18h, estarei autografando (calma, revisor: esta construção é
Português da gema!) o terceiro volume de O Prazer das Palavras. Quem puder ir
me dará grande prazer.
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