quarta-feira, 8 de agosto de 2012



08 de agosto de 2012 | N° 17155
PAULO SANT’ANA

Adeus, Leka!

Eu já tive TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Por ele, eu tinha cuidados doentios com objetos e equipamentos que eram manuseados por todos.

Não apertava mãos, não abria torneiras, não encostava em maçanetas, ficava tomado de desespero quando entrava no banheiro e tinha de tocar meu corpo nas coisas todas ligadas à higiene.

Cheguei ao ponto, pela pregação constante de meu pai e dos professores, que afirmavam não existir nada mais sujo do que as cédulas de dinheiro, de, antes de colocá-las no cofre, eu as lavar com detergente. E secava-as com secador de cabelo.

Que coisa!

Era um delírio. Por exemplo, antes de beijar uma mulher, eu pedia licença a ela para lavar minha boca. E, depois que a beijava, lavava ainda mais inteiramente a minha boca. Que coisa!

Vim me curar do TOC anos depois.

Eu gostaria de saber qual foi o engenheiro que criou essas torneiras que se veem nos bares e nos hotéis, também nos aviões, pelas quais a água só corre quando se as apertam.

Só sai água por dois segundos. Nem com a mais exímia prestidigitação se consegue lavar as mãos assim naquela tortura chinesa.

Como é que eu vou apertar ligeiro com a mão esquerda a cabeça da torneira e depressa e logo trazer a mão com que a apertei para lavá-la?

Não tem jeito. Quem foi o maldito engenheiro que bolou essa geringonça?

O Nílson Souza, aqui do meu lado, disse-me que a solução é permanecer apertando a cabeça da torneira com uma mão e assim lavar só a outra mão.

Sugestão vetada imediatamente por mim: mas como é que vai se esfregar a mão que está sendo lavada, ora, Nílson? Visivelmente, a intenção desse equipamento exótico é a de não desperdiçar água. Mas a verdade é que a gente só se limpa ou se refresca, na pia, no tanque ou na piscina, se desperdiçar bastante água.

Por exemplo, como lavar um carro sem desperdiçar água da mangueira. Como?

Ou como não desperdiçar água quando se está tomando banho no chuveiro? Só se substituir-se o chuveiro pelo banho de canequinha, um dos gestos humanos mais ridículos que conheço.

Cheguei à conclusão de que o desperdício de água é a única garantia de higiene total que temos.

Ontem foi dia de eu e mais 40 ex-colegas de jornalismo do Nelci Canto de Castro, o Leka, irmos ao seu enterro. Ele tinha 71 anos e foi atropelado por um carro na Avenida Padre Cacique, na madrugada de segunda-feira.

Eram tantos os velhos e aposentados jornalistas que estavam no enterro. Eu disse a muitos deles que muito fazem falta nas redações dos jornais: há conhecimentos que o computador não nos fornece, só a experiência dos velhos jornalistas nos traz luz.

Um velho jornalista presente numa redação de jornal tem mil préstimos.

Os velhos jornalistas conhecem os rengos sentados e os cegos dormindo.

E o Leka, que enterramos ontem no Jardim da Paz, conhecia televisão como nunca nenhum de nós e dos outros conseguimos conhecer.

Que ele repouse em paz.

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