15 de maio de 2009
N° 15970 - PAULO SANT’ANA
A ânsia da divulgação
Aqui na sala onde trabalho, em que, mais que trabalho, peno para achar o que devo escrever, aqui no meu tugúrio, vago como um anacoreta (pessoa afastada do convívio social que leva vida contemplativa, como os monges), cercado por todos os lados de pessoas que incrivelmente me telefonam ou me passam mensagens escritas, ansiando para que eu por alguma forma ponha no jornal as experiências que tiveram ao ser assaltadas.
Não sei onde se origina este fascínio das pessoas por verem publicados em minúcias os relatos dos assaltos de que foram vítimas.
Elas querem porque querem ver no jornal estampada a sua aventura temerária nas mãos dos assaltantes.
Dão-me a entender que a única compensação que podem ter para o terror por que passaram, o prejuízo material que tiveram ou o risco de morte que correram é que a notícia saia no jornal.
Há, subjacente a essa compulsão de verem publicados seus assaltos no jornal, o sentimento de que, se seu caso virar notícia, providências serão tomadas pelas autoridades para conter a violência.
Uma espécie de desejo de que, se a notícia for publicada, rompa-se a banalização da violência e de que a cada caso de assalto nomeado na imprensa seja emprestada uma importância eficaz para que se tomem medidas capazes de diminuir os ataques.
Deve ser o caso do Adriano Rodrigues, morador do Jardim Planalto, que tentou ontem à tarde falar comigo por oito vezes.
Ele não desistiu enquanto eu não o atendi ao telefone. Até que falei com ele, que tentou me convencer de que era tão grande o poder de comunicação desta coluna, que ele pretendia que eu estampasse nela o seu drama.
Eu sei o que ele sentia, estava em sua casa se recuperando da extensa cirurgia por que passou quando foi extraída do seu tórax uma bala de revólver calibre 38.
E pensou consigo que de nada valeria a sua experiência quase trágica, na solidão de seu leito, se mais pessoas não tivessem conhecimento do seu drama, da sua aflição, da sua quase morte. Ele necessitava vitalmente de que toda a sociedade se chocasse com seu caso. Assim não sendo, o seu episódio ficaria num anonimato que só colaboraria para que se repetissem geometricamente os assaltos que as pessoas de bem vêm sofrendo em nosso meio.
Não sei onde ele buscou essa razão.
Ele vinha saindo da casa de seu pai, na Vila Ipiranga, pela manhã, às 11h, dirigindo-se ao seu carro estacionado na rua.
Um assaltante armado abordou-o e exigiu que ele entregasse as chaves do carro. Passivamente, ele entregou as chaves. O assaltante se dirigiu para o carro, mas estancou, voltou até o dono do carro aos gritos, acusando-o de estar armado. A vítima clamava que não tinha arma alguma, como de fato não tinha.
E, aparentando estar drogado, o assaltante desfechou um tiro no peito da vítima, e levou o carro.
O que impressiona neste caso e em tantos outros é a absoluta inutilidade dos disparos de revólver feitos pelos assaltantes contra as vítimas, quando o teórico objetivo dos criminosos já foi alcançado. Eles já têm em suas mãos aquilo que foram buscar, o bem material, mas não se contentam com isso e partem para a violência pessoal.
Parece que, na sua sanha criminosa, saíram para a rua para destruir alguém, servindo o saque somente como pretexto.
Transmitem a impressão de que não tem graça só roubar, é preciso matar para preencherem uma necessidade íntima de mórbida satisfação.
Mas um homem que me telefonou oito vezes merecia a compensação de ver publicada uma coluna inteira sobre sua saga.
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