10 de março de 2009
N° 15903 - PAULO SANT’ANA
Credor pirografário
Evidentemente que o cárcere privado de que foi vítima ontem o presidente da Corsan tem ligação direta com o anúncio da governadora, feito pela manhã, de que a companhia de saneamento e água havia atingido o faturamento recorde de R$ 211 milhões em 2008.
Ouvindo pelo rádio o anúncio triunfante do governo sobre a arrecadação da Corsan, o credor e sua sobrinha armaram-se de revólveres e foram para o gabinete do presidente da Corsan para cobrar a dívida de R$ 183 mil.
O caso é surpreendente. Porque se noticia no momento em que escrevo que a exigência armada do credor foi satisfeita, isto é, acabou por ser depositado na conta do credor da Corsan o valor da dívida, resultado a que ele chegou portando uma arma de fogo e mediante ameaça.
Pode-se chamá-lo, portanto, pela arma de fogo que portava, de credor pirografário.
O autor do crime afetava ontem encurralamento existencial por estar sendo pressionado por agiotas, foi cobrar a dívida à mão armada para livrar-se de suas dívidas.
Calcule-se o desespero desse homem: talvez nunca antes na história um homem foi cobrar do Estado, à mão armada, uma dívida que ele achava do seu direito.
Isso dá ideia de como se sentem os credores de precatórios, que veem sucederem-se os dias, os meses e os anos e nada da quitação.
É certo que, mesmo tendo sido depositado o dinheiro na conta do homem que rendeu à mão armada o presidente da Corsan, no curso das negociações policiais, ele não verá paga a dívida. Tendo sido cobrada mediante coação, o depósito na conta do credor será anulado.
E restará um homem e sua sobrinha presos e a dívida não quitada, até mesmo porque consta que está sendo auditada.
O episódio dá conta outra vez dos limites que pode transpor uma criatura humana desesperada, seja por um traição, seja por ciúme, seja por ânsia de vingança, seja, como foi o caso, por dívida não cobrada.
Ainda bem que o credor e sua sobrinha não acionaram seus revólveres, estavam tomados de tal delírio de conduta, que imaginaram ser possível cobrar uma dívida dessa forma coativa e ameaçatória.
Basta dizer que uma das hipóteses prováveis para o assassinato do médico Marco Antonio Becker, ex-presidente do Cremers, investigada afanosamente pela polícia entre outras opções causais, é a de que o mandante do crime tenha na intentona cobrado uma dívida não paga pela vítima.
Uma dívida é coisa muito séria. Abala tanto o credor quanto o devedor, mas dita o folclore nos lábios do povo que quem mais tem de se preocupar com a dívida é o credor.
Foi o que levou esse homem e sua sobrinha à atitude nunca antes vista de tentar cobrar pela ameaça à mão armada uma dívida administrativa da Corsan.
O crime aparentemente cometido pelo credor é o de “cárcere privado”, que poderá vir a ser desclassificado para um crime menos grave, o de “exercício arbitrário das próprias razões”, devendo ser levada em conta pela Justiça a “violenta emoção” de que estava possuído o autor, que pode minorar ou atenuar a pena, não é isso, Cláudio Brito?
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