sexta-feira, 9 de maio de 2008



09 de maio de 2008
N° 15596 Liberato Vieira da Cunha


Porto Alegre sob a chuva

A chuva grande do último fim de semana mereceu complexas análises dos meteorologistas de plantão. Eu, contudo, que não sou nem cientista nem sábio, imergi em outros e distintos pensamentos, mais próprios de pessoas ora nostálgicas, ora poéticas.

Porto Alegre sob a chuva é bela. Os noticiários falavam em bairros inteiros sem energia, em árvores tombadas sobre automóveis, em ruas soturnamente inundadas.

Lamentei sinceramente todos esses desastres, mas não pude deixar de comover-me com o perfil dos morros da Zona Sul, aconchegados como animais indefesos, expostos à fúria das águas e dos ventos.

Os repórteres contavam que o Riacho era uma torrente, ameaçando alastrar pelas calçadas toda a fúria do universo. Deplorei francamente o espetáculo, mas não pude deixar de emocionar-me com a sombra de um arco-íris, que por meio segundo pareceu mostrar-se entre as nuvens pesadas e gris.

Os apresentadores dos programas de rádio enumeravam os acidentes de trânsito nas estradas e nas avenidas. Lastimei naturalmente esses sinistros, mas não pude deixar de perceber a ousadia de um veleiro solitário, que singrava o Guaíba, como se o céu fosse um tranqüilo toldo de primavera. Sua vela branca era um corajoso desafio a todas as tormentas.

Porto Alegre é bela sob a chuva. Recupera um pouco daquele aspecto europeu que tinha, antes que erguessem em cada ponto seu desgraciosos caixotes de pedra, aço e vidro.

Recaptura a imagem singela dos sobrados, em cujo interior as sinhazinhas jogavam víspora e pediam em silêncio a Santa Bárbara e São Jerônimo que não as naufragassem as tempestades.

Recolhe a graça ancestral das ladeiras e das praças em que mulheres enamoradas, olhando por entre as janelas embaciadas, suspiravam pela ausência de seus amores proibidos.

Porto Alegre sob a chuva é bela. Pois irrompem cachoeiras dos quatro horizontes, arma-se um vendaval, o lago é um vórtice e um vértice - mas de repente alguém bate à porta.

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