O ANO BRASILEIRO DO CINEMA
Desta vez, porém, não será pelo futebol nem pela música que marcaremos época. Nem sequer pela corrupção, que essa já se banalizou e não chama mais a atenção.
Roubar dinheiro público é tão enfadonho. Dias desses, nem manchete vai dar. Enfim, 2007 é o nosso ano miraculoso do cinema. Tivemos uma produção cinematográfica extraordinária. Em termos numéricos, a nossa safra de qualidade excepcional chegou à marca histórica e redonda de UM.
É algo que raramente conseguimos no passado. Resta saber se teremos condições de repetir a façanha no futuro imediato.
'Tropa de Elite' foi uma revolução total por razões absolutamente simples: foi visto por milhões de pessoas, em cópias piratas, antes mesmo de estrear.
Virou tema de conversa de bar. Falou da realidade brasileira e não do umbigo dos diretores. Acabou com o clichê de que um filme sempre deve ter um vilão e um herói para o espectador se identificar.
Interrompeu a infindável série de adaptações de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Mario de Andrade, Machado de Assis, Clarice Lispector e Euclides da Cunha para as telas de salas vazias.
Ninguém suportava mais tanto sertanejo metafísico nem tanto corno em dúvida quanto ao que lhe colocaram na cabeça. Por fim, meteu o dedo na ferida da questão da violência ligada às drogas no Brasil, responsabilizando a classe média consumidora por alimentar essa cadeia perversa.
A virada foi tão grande que a patota dona do pedaço, formada por diretores filhinhos-de-papai e sustentados por leis de incentivo, considerou o filme fascista. Onde se viu um filme sem metalinguagem nem experiências radicais de câmera? Onde já se viu um filme que toma o lugar da mulher e da bola nos bate-papos de boteco?
Onde já se viu um filme que conta a história do ponto de vista da Polícia? Onde se viu um filme que não idealiza o bandido nem estigmatiza inteiramente o policial? Onde se viu um filme em que todo mundo é bom e mau, responsável e irresponsável, hipócrita e bem-intencionado ao mesmo tempo?
Os cineastas piraram. Insultaram José Padilha, o diretor de 'Tropa de Elite'. Tentaram mostrar-lhe que, ao final, deveria ter ferrado só o Bope e livrado a cara da garotada da zona Sul do Rio de Janeiro. Era assim.
Num filme brasileiro convencional, sem público nem conteúdo, mas com vários prêmios em festivais secretos, o traficante seria apresentado como vítima da sociedade injusta.
O consumidor teria absolvição imediata em nome da liberdade individual. Não é bacana tolher os impulsos da libertação da consciência. A Polícia ficaria com todo o ônus por representar a repressão, o Estado e o mal.
A mídia, tão maniqueísta e simplória quanto os nossos cineastas chiques, tratou de ver no capitão Nascimento, o protagonista de 'Tropa de Elite', um herói.
Foi preciso que o New York Times publicassse um longo artigo para restabelecer a verdade: 'Tropa de Elite' não tem heróis e dá um mergulho na (in)consciência brasileira.
Se Padilha continuar a filmar assim, será cada vez mais odiado, mas não pelos policiais nem pelos bandidos. Pelos colegas. Afinal, não é correto fazer filmes que falem a verdade.
juremir@correiodopovo.com.brx
Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.
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