terça-feira, 30 de junho de 2015



30 de junho de 2015 | N° 18210 
CARPINEJAR

Antes e depois do cofrinho

O homem renuncia seus títulos de nobreza quando mostra o cofrinho.

Antes disso, ainda desfruta de chances de salvação e de terapia. Existem na trajetória masculina dois períodos da cristandade no casamento bem definidos: AC e DC.

No momento em que ele se agacha, na pose de mecânico distraído, com a calça arriada e o fundilho aparecendo, acabaram suas pretensões estéticas.

Não há desculpa para a falta de cuidado. Inútil alegar que estava arrumando o vazamento da cozinha ou procurando algo debaixo do sofá e não contava com as mínimas condições para se preocupar com os detalhes.

É pecar uma vez que o demônio da preguiça assume o corpo. Após o vexame, o sujeito descerá a ladeira longe do trio elétrico. Cultivará a barriga, esquecerá o cinto, deixará crescer pelo no nariz e na orelha.

Será capaz de tudo: de sair na rua de abrigo rasgado, de roupão, de pantufas, de chinelos da Bela Adormecida. Não arcará com mais nenhum capricho e controle da aparência. Abandonou o time em campo.

Coitada de sua mulher. O próximo passo é usar calção sem cueca e não perceber o que está dentro ou fora do forro. Expor o cofrinho é próprio de macho largado. Não terá mais nenhuma vontade de agradar. Sacrificou o último estágio da censura e da decência.

Não se penitenciará pelas constantes porquices dentro de casa. Confundirá intimidade com desleixo. Logo mais estará urinando de porta escancarada, palitando os dentes de boca aberta, soltando flatulência na cama e obrigando a sua companhia a cheirar junto debaixo do edredom e arrotando na mesa para pedir aplauso.

Testemunhar seu parceiro de quatro é tristemente inesquecível, que sempre pega a mulher desprevenida. Ela jamais percebe quando irá acontecer para se preparar e se defender. Pode ser na frente de uma geladeira ou do armário. A camiseta levanta subitamente, a calça cai e é tarde demais para fechar os olhos e não gravar a porção indefinida entre glúteos e gordura.

O berço do ogro é o cofrinho. A paisagem desastrosa de um traseiro desgovernado não provoca cumplicidade feminina, mas rejeição. E, principalmente, desperta uma dupla pena, do homem na posição de Napoleão perdendo a guerra e de si, por estar casada com ele e não ser nem uma Josefina para ter um amante de respeito.

30 de junho de 2015 | N° 18210
ENERGIA

Avanço barrado pela rede elétrica

Baixa qualidade e capacidade restrita travam modernização de uma em cada duas pequenas e médias propriedades no Estado. Melhorias exigem um investimento de pelo menos R$ 1,6 bilhão
Nos confins do Estado, certos horários são proibidos para o banho. É que se um vizinho liga o chuveiro, o outro pode não conseguir terminar de ordenhar as vacas, porque a rede não suporta a carga. 

Embora seja o terceiro colocado no ranking nacional de cobertura elétrica no campo, o Rio Grande do Sul tem 250 mil pequenas e médias propriedades – metade do total, estima o setor – que encontram na qualidade da energia um entrave para a expansão e modernização. Baixa potência, fornecimento precário e falta de manutenção são ingredientes que, somados, causam um apagão de desenvolvimento.

Levantamento da Secretaria de Minas e Energia mostra que, dos 161 quilômetros de rede rural, 53% são monofásicas. E os custos para alterar a carga, que cabem ao produtor, muitas vezes inviabilizam a compra de aparelhos mais potentes. Cálculos da secretaria indicam que seria necessário investir R$ 1,6 bilhão para transformar todas as cargas em trifásicas.

– Muitos gostariam de modernizar, mas a energia é limitante. Não adianta fazer planos se a estrutura não é capaz – avalia o assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado (Fetag-RS), Márcio Langer.

É o caso de Gibrair e Juciane Vichnowski, de Erechim. A família queria construir mais um aviário, mas as constantes quedas de energia e o fato de a rede cruzar a propriedade travam a obra. Embora tenha carga trifásica, a casa ficou no escuro, em média, três vezes por semana só no mês passado.

Juciane disse ter avisado várias vezes a RGE de que os postes podiam tombar. Em janeiro, um temporal os fez cair em efeito dominó, e a saída foi alugar um gerador. Como 2,5 mil aves morreram, a produtora busca na Justiça ressarcimento pelo prejuízo de R$ 10 mil:

– A rede é muito antiga.

Em nota, a RGE informou que faltou energia por 23 horas na propriedade devido à grande demanda de atendimentos emergenciais. Sobre a retirada de rede, informou já ter programado vistoria no local para identificar as ações cabíveis.

Propostas ainda no papel

Diretor da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Fábio Avancini Rodrigues diz que o problema não está só no tipo de rede, mas na distribuição, o que resulta em produtividade menor, em especial no arroz (100% irrigado), e perdas na produção avícola e leiteira. Para Rodrigues, a solução passa por investimento e mais ação dos órgãos reguladores:

– Energia é insumo de produção. No grão, quilo de carne ou litro de leite, a energia é um componente, como adubo ou terra. E se tem deficiência em uma parte, há quebra na produção.

A falta de energia estável e de qualidade pode agravar ainda mais o êxodo rural, além de ser empecilho para diversificar a produção, alerta o presidente do Sistema Ocergs/Sescoop, Vergilio Perius.

– Se não houver energia forte, teremos um problema social muito grave, porque as pequenas propriedades vão ser absorvidas pelas grandes, que têm energia – avalia.

Uma das saídas, segundo ele, seria a criação de uma linha de crédito acessível para que os produtores pudessem alterar a carga das propriedades, o que requer investimentos de R$ 15 mil a R$ 50 mil.

A Secretaria de Minas e Energia está mapeando as necessidades por região. Segundo o secretário Lucas Redecker, um projeto para buscar verba, via financiamento externo, deve ficar pronto em até 60 dias. O foco é transformar redes monofásicas e bifásicas em trifásicas. Uma das opções de fonte de recursos seria o Banco Mundial.

– Ainda estamos discutindo, mas o produtor e o Estado devem ter contrapartida – frisa o secretário.

Proposta semelhante, que prevê investimentos de União, Estado, empresas e produtores, foi levada ao Ministério de Minas e Energia pela Comissão da Agricultura da Assembleia, que debaterá o tema na segunda-feira. Diretor de Gestão do Setor Elétrico da pasta, Marcos Franco Moreira diz que o pedido está em análise e que um grupo de trabalho deve ser criado.

cleidi.pereira@zerohora.com.br

"A situação é crítica, em especial no verão. Energia tem, falta força".

Márcio langer assessor da fetag-rs

"Existe tecnologia para ser implantada, mas falta potência na rede elétrica".

Fábio rodrigues diretor da farsul

"Em Erechim, no norte do Estado, Juciane e Gibrair Vichnowski já tiveram prejuízo de R$ 10 mil e adiaram a construção de um aviário devido à qualidade precária da energia".

Promessa de mais recursos

Concessionárias e cooperativas permissionárias planejam investir neste ano pelo menos R$ 220,9 milhões na melhoria da qualidade de energia no campo – 16,6% a mais do que o desembolsado em 2014.

O maior valor deve ser aplicado pelas 15 cooperativas associadas à Federação das Cooperativas de Energia, Telefonia e Desenvolvimento Rural do Estado (Fecoergs): R$ 90 milhões. O superintendente, José Zordan, diz que estão previstas obras como melhorias e construção de redes, troca de transformadores e construção de subestações. A AES Sul pretende investir R$ 85 milhões, e a CEEE, R$ 45,9 milhões. Procurada, a RGE não informou sua previsão.

Para o gerente de energia elétrica da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs), Nilton Telichevesky, o problema é que a demanda rural cresceu e os investimentos não acompanharam. Ele explica que, até 2010, se um produtor precisasse fazer uma obra para melhorar o fornecimento, teria participação de 90%. Desde então, obras para quem consome até 50 kw viraram responsabilidade das concessionárias, exceto se for preciso troca de fase (de monofásico para bifásico, por exemplo).

A Agergs sugere que os produtores de uma mesma localidade se unam e peçam aumento de carga alegando que isso resultará na “expansão do setor elétrico” – investimento previsto nos contratos de concessão como responsabilidade da empresa, que será ressarcida depois. Se o pedido for negado, a Agergs promete ajudar na negociação. O gerente admite, porém, que a falta de pessoal desafia a associação, que tem apenas 30 dos 66 funcionários de nível superior previstos na lei que a criou.

Enquanto a AES Sul promete investir 4,9% a mais na, comparado a 2014, a CEEE prevê um aumento de 61,6% e a Fecoergs, de 12,5%. Já a RGE não se pronunciou.

O" Estado praticamente atingiu a universalização na área rural, mas com o conceito de levar a luz e não energia. As pessoas se satisfaziam em ter lâmpadas e eletrodomésticos, mas hoje a demanda cresceu".

Nilton telichevesky - gerente de energia elétrica da agergs


30 de junho de 2015 | N° 18210 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

PARA OS ADVOGADOS

Nova edição de um excelente livro, cujos méritos o tempo não apagou: sai pela Boitempo, em edição cuidadosa e nova tradução, por Emir Sader, A Cidade das Letras, do crítico uruguaio Ángel Rama (1926 – 1983). Falecido em acidente quando este livro estava no prelo, Rama não pôde acompanhar seu destino, que é ainda agora auspicioso.

O livro propõe uma interpretação original para o papel dos letrados nas cidades, e logo nos países, da América toda – e aqui já temos a segunda originalidade, esta visada que pensa a América em conjunto, em suas três partes. Uruguaio, o autor necessariamente sabia que era preciso pensar para além das fronteiras nacionais – alcance que brasileiros, estadunidenses, mexicanos e argentinos não costumam ter, acomodados em seus universos nacionais como sendo suficientes; crítico cultural de esquerda, Rama precisou sair de seu país na ditadura dos anos 1970, indo trabalhar primeiro na Venezuela, depois instalando-se nos EUA, como professor. Foi o primeiro grande comparatista dos tempos modernos, entre nós.

Para pensar sobre a função dos letrados, Rama sugere uma terceira novidade: diferentemente da Europa, em que as cidades nasceram do campo e do comércio, na América a cidade nasceu de projeto de poder sobre o continente. Nesta cidade com novo sentido histórico, o letrado vai ocupar papel decisivo, auxiliando na imposição da lógica colonial sobre a plebe rude (índios, caboclos, ibéricos extraviados, africanos escravizados). 

Para isso manejaram a língua escrita de modo requintado e autoritário, renegando a linguagem corrente e se refugiando num barroquismo ainda hoje presente – muito em particular, na linguagem dos advogados.

Por isso, data vênia, lembrei que era uma boa sugestão de leitura para eles. Mas também fará bem para todo professor, cientista social, historiador, enfim o intelectual com alguma inquietude no coração, que não se contenta com o papel que ainda agora ajuda a aumentar o abismo entre a gente comum e o pensamento escrito.



30 de junho de 2015 | N° 18210 
DAVID COIMBRA

Zeca Camargo e Cristiano Araújo

Nós brasileiros gostamos de nos emocionar. Foi isso que o Zeca Camargo disse num polêmico comentário de TV acerca da morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo. As implacáveis redes sociais estão sendo... bem, implacáveis com o Zeca Camargo, porque ele teria desrespeitado o artista.

Não desrespeitou.

Embora o comentário tenha ficado um pouco confuso quando ele comparou a comoção fácil à febre dos livros de colorir, Zeca Camargo acertou ao observar que o brasileiro sente uma necessidade catártica de se despetalar em lágrimas. Sente. E isso vem de longe.

Até a manhã de 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas era visto como um corrupto que, muito provavelmente, sairia algemado do Palácio do Catete. Um tiro de 32 no coração e uma carta-testamento febril de ufanismo o transformaram em herói do povo oprimido. Os mesmos que, nos bares, o chamavam de ladrão saíram às ruas em ira santa, atirando as máquinas de escrever dos jornais de oposição pela janela e quebrando as vitrines de quaisquer empresas que fossem vagamente associadas aos ianques exploradores.

Era uma morte trágica, perfeita para se prorromper em pranto purificador. Foi assim também com Francisco Alves, que morreu carbonizado num acidente na Via Dutra. Até os anos 1980, dizia-se que era impossível um povo chorar mais do que havia chorado Getúlio e Chico Viola. Aí morreu Tancredo. Lembro-me das cenas do caixão sendo transportado em carro de bombeiros pelas ruas, a multidão correndo atrás, derretendo-se em suor e lágrimas, e as TVs executando Coração de Estudante. Nossa, como o Brasil chorou! Era uma nação unida num só drama.

E, de fato, era de chorar. Tancredo seria o primeiro presidente civil do Brasil depois de 21 anos de ditadura, depois do fracasso das Diretas Já, depois da volta emocionante dos anistiados. Tamanha dor se justificava. Como se justificou a de Senna, um ídolo colhido pela foice do Ceifador em pleno exercício de sua atividade, um brasileiro vencedor, jovem, bonito, que arrancava conquistas impossíveis das unhas da derrota certa.

Todos esses personagens eram importantes, e morreram de mortes inesperadas. Natural que fossem chorados, como os Estados Unidos choraram Kennedy e Martin Luther King, como os britânicos choraram Lady Di.

E aí paro: o funeral de Lady Di.

Recordo-me de Elton John entrando ereto na Abadia de Westminster para cantar Candle in the Wind. “Você viveu sua vida como uma vela ao vento, sem saber onde se agarrar”, cantava ele ao piano, e todos na abadia ouviam em silêncio, e, lá fora, a multidão acompanhava por um telão, e a câmera passeava pelos rostos, e eles... aqueles ingleses... eles não choravam. Ou, pelo menos, não choravam como deviam chorar num momento tão comovente. Era um choro contido, um choro de poucos, duas ou três lágrimas recolhidas por um lencinho mínimo. Eu, olhando pela TV, pensava: como esses ingleses conseguem ser tão fleumáticos, se eu, aqui, já sinto uma bola de emoção na garganta?

Uma boa morte nos toca. E, na falta de um morto imponente, como uma princesa, um presidente ou um campeão, nos contentamos com os mortos periféricos. No ano passado, o fim de Eduardo Campos quase o elegeu presidente da República, representado por Marina.

Cristiano Araújo era um Eduardo Campos: muito conhecido regionalmente, desconhecido nacionalmente. Zeca Camargo e outros tantos se surpreenderam com a intensidade da dor dos que o prantearam. Mas era uma dor legítima. Era a dor necessária do brasileiro, que, ao experimentar o grande sentimento, seja com a grande paixão, seja com a grande tristeza, sente-se grande, ele também.

segunda-feira, 29 de junho de 2015




29 de junho de 2015 | N° 18209
ARTIGOS - LUIZ CARLOS BUSATO*

O PESADELO DO DESEMPREGO

Me n s u r a r o impacto das paralisações da indústria de plataformas de petróleo na geração de desemprego no Brasil, depois da Operação Lava-Jato, desencadeada pela Polícia Federal, é uma das tarefas da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. O investimento de quase R$ 3 bilhões na indústria naval, que deveria gerar mais de 20 mil empregos, direta e indiretamente, já provocou, desde novembro do ano passado, cerca de 7 mil demissões apenas no Estaleiro Enseada do Paraguaçu, na Bahia.

No Polo Naval do Jacuí, em Charqueadas, no Rio Grande do Sul, mil trabalhadores foram demitidos. A indenização trabalhista foi de R$ 23 milhões e está sendo paga devido a duas ações trabalhistas ingressadas pelo Sindicato dos Metalúrgicos. A Comissão, autoridades e entidades sindicais vão se reunir, no início do mês que vem, em Charqueadas, para diagnosticar a crítica situação, mas já é certo que o esquema de corrupção da Lava-Jato acabou com o desenvolvimento e com o sonho de muitos brasileiros!

Os trabalhadores “ainda” tinham esperança. E o pior, o desemprego cresce em todas as regiões, desde a suspensão do contrato da Petrobras, pois Estados e municípios ofereceram diversos incentivos.

Vale destacar que a Comissão do Trabalho é permanente e atua como mecanismo de controle dos programas e projetos do Poder Executivo. A Comissão também está discutindo se vai aceitar os acordos de leniência com as empresas envolvidas para que colaborem com o Estado e ressarçam os cofres públicos. Há uma dificuldade para os acordos de leniência, neste caso, devido a sobreposição e competências de diversos órgãos públicos envolvidos, como Controladoria-Geral da União, Ministério Público e Tribunal de Contas da União. Audiências públicas estão sendo realizadas, pois quem defende o acordo argumenta que evitaria a demissão de mais 500 mil trabalhadores.

Os investimentos precisam ser retomados, com urgência! A geração de mão de obra não pode parar. A indústria naval brasileira não pode ser prejudicada. A bancada gaúcha na Câmara precisa apoiar e trazer recursos para a região carbonífera do Rio Grande do Sul. É fundamental garantir as demandas desses municípios, uma vez que o sonho acabou e ainda transformou alguns trabalhadores em vítimas da corrupção com o desemprego.

*Deputado federal (PTB), titular da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados


29 de junho de 2015 | N° 18209
ARTIGOS - NELSON JOBIM*

ELEIÇÕES. CLÁUSULA DE BARREIRA

A Constituição dispõe que o funcionamento parlamentar dos partidos políticos deve ser disciplinado em lei.

Para a eleição de 1993, a Lei 8.713 autorizava o registro de candidaturas a presidente e vice, senador, governador e vice aos partidos que tiveram, pelo menos, 5% e 3%, respectivamente, de votos para a Câmara de Deputados em 1990.

O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a fórmula. Entendeu, com o ministro Marco Aurélio, que a “carta constitucional consagra o pluripartidarismo, viabilizando, assim, a representação dos mais diversos segmentos da sociedade e especialmente das minorias”.

Em 1995, a Lei 9.096 assegurou funcionamento parlamentar para os partidos que tivessem obtido 5% dos votos para a Câmara dos Deputados.

Em 2006, o STF voltou a julgar inconstitucional as regras sobre o funcionamento e outras. Com o ministro Marco Aurélio, entendeu que a CF não havia acolhido “a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição”.

Em 28 de maio, a Câmara dos Deputados, em 1º turno, aprovou emenda que estabelece o acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de rádio e televisão aos partidos que tiverem, pelo menos, um deputado ou um senador eleitos.

Hoje, todos os partidos têm direito a uma parte no Fundo Partidário (95% de acordo com o tamanho da bancada e 5% divididos igualmente entre os partidos registrados no TSE) e ao tempo de rádio e televisão.

Pela fórmula da Câmara dos Deputados, serão atingidos o PSTU, PCO, PPL e PCB.

A fórmula é tímida.

É necessário algo parecido ao sistema alemão.

Nenhuma restrição à criação de partidos, salvo as do art. 17 da Constituição.

Quanto ao acesso à Câmara dos Deputados, a exigência de uma performance nacional na ordem de 5% dos votos, distribuídos em um número x de Estados.

Devemos continuar com uma profusão irresponsável de partidos?

Basta somente privar os partidos do Fundo Partidário e do tempo de televisão?

Devem ter, mesmo sem apoio mínimo do povo, acesso à Câmara dos Deputados?

É isso que se quer?

*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal


29 de junho de 2015 | N° 18209
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

Onde vivem os detetives

A figura do detetive capaz de tudo para chegar à solução de um crime foi elevada ao estado da arte por nomes como Dashiell Hammett e Raymond Chandler, os grandes da literatura chamada de noir, em referência ao clima sombrio das narrativas e seus personagens surgidos na Grande Depressão.

Saindo dos livros, pulularam os filmes de detetive, que logo saltaram para o ambiente caseiro da televisão. Lembra-se de Columbo, Kojak, CSI e por aí vamos? Pois é.

E True Detective surgiu como narrativa detetivesca ao mesmo tempo das boas e diferente. O que consumia os dois detetives da primeira temporada, incorporados pelos ótimos atores Woody Harrelson e Matthew McConaughey, era, tanto quanto o crime que os unia, um ao outro. Essa tensão tornou a série interessante e uma mania no ano passado, e nos traz a ela com força nesta segunda temporada.

Se você começou a ver True Detective 2, por essas horas deve estar se perguntando se 2 vai ser melhor, igual ou menor que 1, não é mesmo? E esse é o drama de séries que arrebentam na primeira temporada, naturalmente. Como dar conta do desejo que os espectadores sentem por algo que precisa ser ao mesmo tempo suficientemente igual e suficientemente diferente?

Eu diria que ainda não dá para se dizer muito, mas 2 parece ser, no mínimo, suficientemente outra coisa para valer a pena. Em termos de atores, acho que 1 é maior que 2, mas atores não são tudo na vida. True Detective é, no fim do dia, não uma história sobre atores, mas sobre detetives e o que os move. Na temporada 1, a força motriz era o ódio. 

Nessa segunda, ainda não sabemos, vamos ver. No fundo, é o que eu recomendo a vocês todos. Antes de achar, vamos ver. Algo me diz que vai valer a pena, mas, caros Watsons, posso estar, muy simplesmente, errado.

Por ora, vamos em frente.



29 de junho de 2015 | N° 18209
MOISÉS MENDES

Jô e os raivosos

Nunca antes neste país, a direita militante foi tão agressiva e tão mal-humorada. A direita se vulgarizou quando optou por andar a reboque de figuras que a desqualificam. Raivosos das redes sociais, que agora insultam Jô Soares, tocam os mesmos bordões dos Bolsonaros e assemelhados.

Estão ofendidos por causa da entrevista com Dilma? Ou porque não suportam o humor que não conseguem ter? A direita brasileira perdeu o humor. E já teve, e como teve.

Já nos divertimos muito com o humor de grandes reacionários. A discordância ficava em segundo plano. O que prevalecia era a graça inteligente. Alguns eram geniais.

Mas o humor da direita nacional hoje é o que torce para que Jô Soares e Joaquim Levy morram. A direita mediana, essa que se reproduz nos facebooks (muitos camuflados por apelidos ridículos), nunca foi tão sem graça.

Se a direita percebesse onde está o humor, poderia rir muito dessa história do empreiteiro delator da UTC. Ricardo Pessoa é um dos ladrões confessos da Petrobras.

Sabe-se que as empreiteiras organizaram-se para roubar. Com as sobras de superfaturamentos e aditivos, pagavam propinas e faziam doações aos que estavam subornando ou a quem um dia já haviam subornado e poderiam voltar a subornar. Era dinheiro farto para partidos variados.

Mas, pelo que Pessoa disse à Justiça, o dinheiro se dividia em duas partes. Uma parte, limpa, era doada formalmente aos partidos. Outra parte, a suja, de caixa 2, informal, ilegal, ia parar, claro, quase sempre nos cofres de gente do PT.

Imagine que as empreiteiras tinham equipes encarregadas de separar o dinheiro limpo para doações legais, e o dinheiro sujo, para repasses às escondidas ao PT. Sempre ao PT. O dinheiro do bem e o dinheiro do mal. Mas alguém fez confusão com os dinheiros, e o senador tucano Aloysio Nunes acabou recebendo R$ 200 mil da parte suja da UTC. É óbvio que Aloysio Nunes deveria ter recebido o dinheiro limpo. Foi um engano. Tucanos nunca receberam dinheiro sujo.

A direita, se recuperasse o humor, saberia rir dessa bobagem do empreiteiro. A direita descobrirá um dia que não conseguirá transformar fúria em reflexão se não recorrer de vez em quando ao humor, mesmo que seja o alheio. A nova direita, bem insuflada pela velha, é tristemente mal-humorada.



29 de junho de 2015 | N° 18209
L. F. VERISSIMO

Sobe e desce

Ascensorista é uma das profissões que desapareceram no mundo moderno. Era certamente a mais tediosa das profissões, e não apenas porque o ascensorista estava condenado a passar o dia ouvindo histórias pela metade, anedotas sem desenlace, brigas sem resolução, só nacos e vislumbres da vida dos passageiros.

Pode-se imaginar que muitos ascensoristas tenham tentado combater o tédio variando a sua própria fala.

Dizendo “ascende” em vez de “sobe”, por exemplo.

Ou “eleva-se”. Ou “para cima”. “Para o alto.” “Escalando.”

Quando perguntassem “sobe ou desce?”, responderia “a primeira alternativa”. Ou diria “descende”, “ruma para baixo”, “cai controladamente”, e se justificaria, dizendo: “gosto de improvisar”.

Mas como toda arte tende para o excesso, o ascensorista entediado chegaria fatalmente ao preciosismo. Quando perguntassem “sobe?”, responderia “é o que veremos...”. Ou então, “como a Virgem Maria”.

Ou recorreria a trocadilhos: “Desce?” “Dei.”

Nem todo o mundo o compreenderia, mas alguns o instigariam.

Quando comentassem que devia ser uma chatice trabalhar em elevador, ele não responderia “tem seus altos e baixos”, como esperavam. Responderia, cripticamente, que era melhor do que trabalhar em escada.

Ou que não se importava, embora seu sonho fosse, um dia, comandar alguma coisa que também andasse para os lados...

E quando ele perdesse o emprego porque substituíssem o elevador antigo por um moderno, daqueles com música ambiental, diria:

“Era só me pedirem – eu também canto!”

Mas enquanto não o despedissem, continuaria inovando.

“Sobe?”“A ideia é essa.” “Desce?”

“Se ainda não revogaram a lei da gravidade, sim.”

“Sobe?”“Faremos o possível.”


“Desce?”“Pode acreditar.”

domingo, 28 de junho de 2015

Café Filosófico: A contribuição e o papel das empresas frente às mudanças climáticas - Pavan Sukdev

Pavan Sukhdev e a Corporação 2020

Pavan Sukhdev: Put a value on nature!

Agrisustenta 2014, uma Revolução Tropical no Campo: Pavan Sukhdev

sábado, 27 de junho de 2015




28 de junho de 2015 | N° 18208
MARTHA MEDEIROS

Uma casa em frente ao mar


Nunca mais escrever uma única linha, basta, tempo esgotado, já disse tudo o que tinha e o que não tinha para dizer, nada mais a acrescentar

Sabe aqueles dias em que você pensa o que ainda estou fazendo aqui?

Sendo “aqui” uma cidade em que você corre o risco de ser assaltada, em que mil festas, peças e lançamentos acontecem e você não consegue participar de quase nada por falta de tempo ou cansaço, e em que você fica dia e noite na internet conferindo as postagens de gente que mal conhece, permitindo que a felicidade e a inteligência alheias minem aos poucos sua autoestima, já que você, sendo bem franca, não é tão feliz, nem tão linda, nem tão espirituosa, nem tão brilhante. Sabe aqueles dias?

Tenho tido uns dias assim. Em que me visualizo numa casa à beira-mar com uma longa extensão de areia para minhas caminhadas, seguindo uma dieta mediterrânea com peixes, azeites e tomates que muito me atraem, lendo finalmente os livros que acumulei na esperança de que chegaria a hora deles, cometendo alguns pecados capitais como a preguiça, a luxúria e a gula, passando os dias ouvindo música, gastando pouco, vestindo quase nada, recebendo visitas ocasionais, aprendendo a cozinhar, namorando um pescador, ah, essas fantasias que nem mesmo originais são.

Por escrito, esse desapego soa como o Éden, mas vivenciado, sabemos que nem sempre é tão fácil. Pessoas acostumadas a estarem plugadas na tomada geralmente não suportam mais do que três dias de mansidão, o que dirá três anos, o que dirá o resto da vida, esta que pode durar ainda umas três décadas.

O que fazer quando se está tão desinteressada do que se tem?

Hoje foi um dia em que me transportei para o clichê de todo workaholic: adeus, estresse, vou abrir uma pousada – eu que nunca sonhei em ter uma pousada. Sonho, neste instante, em não ter carro, não ter compromissos, não ter agenda, não ter coisa alguma. Raspar minhas economias no banco e torrá-las na manutenção de um cotidiano simplificado.

Nunca mais escrever uma única linha, basta, tempo esgotado, já disse tudo o que tinha e o que não tinha para dizer, nada mais a acrescentar. Agora, só leitura, só silêncio, só papo furado com o pescador. Segunda vez que o pescador aparece nesta história, já estou apaixonada antes mesmo de conhecê-lo.

E à noite, olhar as estrelas, beber meu vinho e morrer de um tédio bom. Quando a santa paz começasse a dar nos nervos, poderia voltar à urbe, rever os amigos, pegar um cinema, renovar o estoque de livros, de queijos, de frescuras e retornar correndo para a beira da praia, fazer um rabo de cavalo e se sentir personagem de um filme – eu sempre enxergo esses ermitões de meia-idade como charmosos personagens de um filme alternativo, de baixo orçamento e pouca bilheteria.


Mas esse filme ainda não saiu do papel e amanhã é segunda-feira. Acorda, dona Martha.


28 de junho de 2015 | N° 18208
CARPINEJAR

Felizardos os casais da manhã

O sexo de manhã estabelece anticorpos contra a infidelidade.

Casais que preferem o turno matinal desarmam qualquer pulada de cerca.

É um escudo para amantes. Uma cerca eletrônica na aliança.

Dificilmente a esposa ou o marido trairá com um envolvimento ao despertar do dia, seja rapidinha, seja média com pão e manteiga. O contato fervoroso logo cedo liquida com as dúvidas do relacionamento.

Estará com o cheiro de seu amor no corpo, a saudade quente, o gosto da cama da própria casa, é muita desfaçatez sair procurando mais, daí já é doença. A tese de trair por falta de interesse do parceiro também cai por terra. Nem pode alegar a ausência de cuidado para flertar com terceiros.

O hábito ainda acaba com a compulsão dos tarados. Não há tentação que resista. O sexo de manhã é prevenção. É marcação de território. Felizardos são os que praticam.

Quem terá vontade de transar em menos de seis horas? Improvável. Estará satisfeito demais para dar mais uma e correr o risco de ser pego.

Interrompe as estratégias dos amantes de se encontrar ao meio-dia em hotel e no decorrer da tarde em motéis, suspende as escapadas dos intervalos do serviço.

É tudo muito recente para pensar bobagem. A culpa não lhe deixará responder sim para o inimigo.

Por sua vez, os casais que optam pelo tradicional sexo no fim do dia sofrem com o acúmulo de tarefas. Para transar, terão que enfrentar o cansaço do trabalho, os problemas e o sono. Podem adiar o prazer à espera de um final de semana redentor, que nunca chegará. A abstinência involuntária abre a guarda para indiscrições e convites na web. Não estarão mais sozinhos, mas rodeados de preocupações a respeito do pensamento silencioso de quem acompanha: será que ele me ama? Será que ela me quer? Por que não me procura mais?

A idealização sempre gera adiamento. Será uma maratona para abrir espaço a dois e criar clima entre banho, jantar, filhos, contas, tarefas, telefonemas, leituras, televisão. A noite gera desespero e extremismo. É agora ou nunca. Um vai querer mais do que o outro, um vai se incomodar mais do que o outro, um vai dormir emburrado por fracassar em seus ataques enquanto o outro dormirá triste por ser forçado a algo que não deseja.

Já os que realizam sexo de manhã têm uma vantagem. Vivem desobrigados, leves, podem reservar o entardecer para conversar, jantar e assistir novela. Não precisam pressionar nada, muito menos inventar desculpa como enxaqueca e indisposição.


E se, por ventura, estiverem excitados à noite será um bônus, uma promoção, um prêmio pela antecedência. Certamente despertarão inveja dos amigos: alcançaram a média nacional do mês em 24 horas.



28 de junho de 2015 | N° 18208
ROBERTO ROMANO

Branco!

O branco, na Igreja primitiva, era marca de alegria, paz e ressurreição. Na modernidade, a cor era o distintivo dos protestantes, que o adotaram “para marcar a clara consciência e cumprir seus fins, manter a honra divina e pública” (La Popelerière). Os batalhões huguenotes usavam lenços brancos no pescoço, colorido da fé pura. A cor da roupa é um traço importante na vida humana, sobretudo na esfera cultural.

No cristianismo, o culto se interioriza, muito por obra de Paulo. A marca do crente não está apenas nas vestes e nas cores, mas reside na consciência. Deus é adorado “em espírito e verdade”(João, 4:23). Na versão grega do Evangelho, o verbo é grafado como “zeteo”, que significa “pesquisar”, não em sentido filosófico, mundano. Na Primeira carta aos Coríntios, os judeus são indicados como povo “semiótico” e os gregos são ditos “zetéticos”: “Os judeus procuram sinais, os gregos sapiência”.

Mas Paulo interroga: “Onde está o sapiente? Onde o gramático? Onde o inquiridor do tempo? Não fez Deus loucura da sabedoria mundana?”. Os querelantes orgulhosos são condenados pelo apóstolo.

O ensino evangélico não é sábio, mas louco segundo “o mundo” (1 Coríntios). O veto às lutas fica bem claro em Romanos, 14:1: “Ora, quanto ao que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas”.

Todo o trecho é um hino de respeito ao próximo, mesmo que ele faça e pense coisas reprováveis aos nossos olhos: “Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo”.

Uma palavra chave em Paulo é “syneidesis”, a via interior rumo a Deus, da qual a consciência é fonte. O termo encontra-se 30 vezes no Novo Testamento, mas não aparece nos Evangelhos. Cristo usa a língua judaica para nomear a consciência. Esta tem como sede o “coração”, lugar onde lutam a luz divina e as trevas do remorso. “Bem aventurados os que têm o coração puro, porque verão a Deus”(Mateus, 5:8). Quem obedece à syneidesis sabe que é pecador e não condena o próximo, não é orgulhoso de sua verdade nem de sua prática religiosa, política, cultural.

A Igreja cristã, mais ampla do que a católica e a reformada, tem como tesouro ético comum a doutrina da syneidesis. Não raro, no entanto, a consciência é violada pela arrogância dos que, nos corpos eclesiásticos, mantêm postura farisaica. As fogueiras da Inquisição, as guerras religiosas, violências dos que se diziam cristãos e agiram como feras, foram pecados graves.

No seu saber louco, só eles eram bons e salvos, só eles mereciam o Reino. Os inimigos religiosos falavam como se estivessem no trono divino. Basta ler um poeta protestante magnífico, Paraíso Perdido, de John Milton (1667), para ver que tal atitude é própria de Satã, não dos tomados pela graça.

Dias atrás, uma criança de 11 anos foi apedrejada no Rio, por usar o branco e o azul da Umbanda. Os apedrejadores, Bíblia sob o braço, quase a mataram porque, disseram, a menina e seus pais iriam para o inferno. A eles, e a seus açuladores, vale a leitura de Paulo e dos Evangelhos, sem mistura de sinais e lucros ou dízimos que lembram Johann Tetzel, jamais Lutero.


Nos próximos dias, vestirei roupas brancas, cor da paz, cristã ou da umbanda, em apoio aos feridos pelo demoníaco orgulho de quem se julga superior e imagina ter o direito de ferir e matar o próximo. “E como podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”(Mateus, 7: 4-5). Os que atiraram as pedras se dizem evangélicos. Mentira. Eles são herdeiros de Caim, malditos como ele.


28 de junho de 2015 | N° 18208
ANTONIO PRATA

Alguém tem que tomar uma atitude


É inacreditável que no ano da graça de 2015, depois de havermos tocado a face da lua e o fundo dos mares, a Nona de Beethoven e o Marin pra correr, ainda não tenhamos encontrado uma maneira melhor de fechar roupas de bebê do que estes 134 botõezinhos metálicos que serpenteiam da gola ao dedão do pé, ora pela frente, ora por trás – ora pela frente E por trás –, com traçados mais mirabolantes que os caminhos do Waze na hora do rush.


Quatro e dezessete da madrugada, o bebê urra, você aperta, em vão, o 37º botãozinho do pijama. O botãozinho não fecha. Você inclina o corpo para que a lanterna no seu sovaco ilumine melhor a cena – com o cuidado de não jogar o facho nos olhos do seu filho, já por demais assoberbados diante da sua trevosa incompetência – e, sob a luz tíbia das alcalinas insones, você descobre que os dois botões são iguais. São dois botões com furinho. Onde está, então, o botão com pininho?

Lembre-se, são 4h17min da madrugada. O bebê urra. Você não está de férias. Você tem um emprego no qual costumava ser competente. Você tem prazos que costumava cumprir. Você tem uma mulher com a qual costumava fazer sexo. Você tem sonhos que costumava perseguir. Você não queria estar com uma lanterna no sovaco, procurando, no escuro, um pininho metálico.

Mas você está, porque milhões de anos de seleção natural te programaram para agir assim, porque seus genes falam mais alto – e mais alto ainda falou sua mulher, meia hora atrás: “Eu também trabalho amanhã! Eu já fui às onze e a uma e meia! Nem vem!”. Você acha, enfim, o botão com pininho. Está atachado do outro lado da roupa, um botão acima, ou seja, todos os 36 botões anteriores foram fechados errado, ou seja, você terá que voltar 36 casas neste complexo jogo de tabuleiro chamado neném.

Eu me pergunto, enquanto vou abrindo os botões e fechando a cara: o que houve com o velcro? Por que o velcro não trilhou o futuro brilhante que, lá por 1983, imaginamos para ele? Lembro de, aos seis anos, festejá-lo como um salto evolutivo irrevogável. Por que alguém se submeteria, depois dele, ao suplício medieval de amarrar cadarços? O velcro substituiria não só os cordões dos nossos tênis, mas os fechos das roupas, as alças das bolsas, os cintos de segurança. O velcro, porém, não dominou o mundo. Foi como aquela mochila voadora na abertura dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, uma falsa esperança, de modo que aqui estamos, agora, penando pra fechar essa roupa, andando com as próprias pernas.

Veja: eu tenho um celular que faz filmes. Uma máquina que faz pão. Uma escova de dentes que parece uma nave do Star Trek. Em vários momentos do meu dia, me sinto em 2074. Basta meus filhos fazerem cocô, porém, e volto a 1352.

Eu apoiaria um deputado que levantasse a bandeira: “Por uma revolução no vestuário neonatal! Por um choque de lógica no pijama de pezinho!”. Não, um deputado, não, tem que ser um esforço internacional, tipo um Plano Marshall, pois com o Congresso atual é capaz de a roupinha acabar sendo aprovada com 1.786 botões (superfaturados), 11 cadarços, seis zíperes, uma cruz na gola e, se bobear, umas algeminhas para os bebês que chorarem depois das oito. É duro, meu filho, mas a verdade é essa, estamos abandonados à própria sorte: nós e os nossos botões.








28 de junho de 2015 | N° 18208
MOISÉS MENDES

Todos Envelheceram


O PT já estava ficando velho, mas só ganhou rugas profundas na manhã de 19 de julho de 2005, uma terça-feira. Lula chamou Olívio ao Palácio do Planalto e o avisou da decisão dolorosa. Olívio deveria ceder o Ministério das Cidades a Márcio Fortes de Almeida, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento e apadrinhado do PP.

Só os mais próximos sabiam quem era o escolhido, protegido do presidente da Câmara, o inacreditável Severino Cavalcanti. Fazia-se o sacrifício em nome da governabilidade, em meio ao furacão da CPI do mensalão.

Não foi exatamente ali que o petismo começou a virar outra coisa. Mas ali, quando Olívio se viu trocado pelo protegido de Severino (lembram dele?), tudo poderia acontecer. E aconteceu. Foi naquele inverno de exatos 10 anos atrás.

O que Lula disse no início da semana passada todos já haviam dito. Só que agora é Lula quem admite que o PT envelheceu e virou um partido em que todos brigam por cargos. “Temos que definir se queremos salvar nossa pele e os nossos cargos ou se queremos salvar o nosso projeto”, disse Lula.

Já em 2005, Olívio entregou o cargo para que o governo tentasse salvar a pele. Ampliaram-se as alianças. Os partidos velhos, novos, grandes, os médios, os sanguessugas, nanicos variados, conservadores à direita da direita religiosa, que já constrangiam petistas históricos e a classe média militante desde a eleição de 2006, lotaram a coalizão.

Eu estava em Brasília naquele 19 de julho, para cobrir a CPI do mensalão, e não a demissão de Olívio, que surpreendeu os próprios governistas. Fui com os colegas Carolina Bahia e Klécio Santos ao Ministério das Cidades. Os corredores transpiravam desolação e constrangimento.

Um dos 12 avalistas da carta de fundação do PT em 1980 era mandado embora para dar lugar a um contumaz ocupante de funções subalternas desde o governo Collor. O pepista saiu do terceiro time para virar ministro no lugar de Olívio.

Os acertos eram fechados com o aval de José Janene, deputado do PP do Paraná, que estaria mais tarde na origem das investigações da Lava- Jato. Janene, compadre e cúmplice do doleiro Youssef, morreu em 2010.

Depois disso, Lula se reafirma como instituição acima do partido. O lulismo substitui o petismo e passa a ser sustentado eleitoralmente pelo que antigamente se chamava de proletariado. A classe média abandona as bandeiras que davam charme ao partido. O lastro eleitoral é então o da nova classe média. O fenômeno se completa em 2006 e se consolida em 2010 e 2014.

O grande projeto é a inclusão social. O país e os pobres prosperam. Mas a ressaca começa a pegar Dilma e se agrava com o refluxo da corrupção da Lava-Jato. O desencanto que Lula manifestou no início da semana já existia há pelo menos uma década. Era camuflado pela prosperidade.

O dilema do partido que ficou velho talvez nem seja o de como reconquistar a classe média dita progressista e há muito desencantada. Nem o de mobilizar uma esquerda encabulada e silenciosa. Mas de convencer os incluídos socialmente de que o projeto lá do começo só pode continuar sob o lulismo.

Não foi só o PT que virou outra coisa. O antigo pobre ou remediado do início do século 21 tem outras demandas. Lula e o PT são desafiados a entender as inquietações dessa gente que nem a ciência política sabe enquadrar direito.

O incluído pelo lulismo ao consumo, ao emprego, à universidade e às viagens a Miami está pronto para se aliar à antiga classe média e se jogar nos braços de quem estiver por perto. Até a nova classe média ficou velha.


RUTH DE AQUINO
26/06/2015 - 20h38 - Atualizado 26/06/2015 20h44

Sobre mandiocas, rolas e sertanejos

Façamos justiça. A presidente Dilma tem feito enorme esforço para se tornar
mais exótica

Os brasileiros reclamam quando estrangeiros chamam nosso país de “exótico”. Natural. Há uma tendência de defender o que é nosso do olhar gringo. Só nós podemos meter o pau. Mas, quando colocamos o pé fora do Brasil, percebemos que somos mesmo para lá de exóticos. Longe, conseguimos até rir de nossa República da Mandioca. Melhor mandioca que banana.

Façamos justiça. A presidente Dilma tem feito enorme esforço para se tornar mais exótica. Seus últimos discursos podem tirar emprego de muito humorista. O mais recente, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é intraduzível em qualquer idioma. “Nós estamos comungando a mandioca com o milho. E, certamente, nós teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje, eu estou saudando a mandioca. Acho uma das maiores conquistas do Brasil.”

Depois da mandioca, foi a vez de saudar a bola e a mulher. “Essa bola vem de longe, da Nova Zelândia. E é uma bola que eu acho que é um exemplo, ela é extremamente leve. Eu já testei e ela quica. Eu testei, eu fiz assim uma embaixadinha, minto, uma meia embaixadinha. (…) Então, o esporte tem essa condição, essa bênção. Ele é um fim em si. (…) Então, para mim essa bola é um símbolo da nossa evolução. Quando nós criamos uma bola dessas, nós nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens.”

Sei que o discurso “indignou” muitos e serviu para que a presidente fosse ridicularizada. Mas eu até simpatizei e morri de rir. Gente, é esse o Brasil, o Brasil da mandioca, das rolas e dos sertanejos, era um discurso para índios em Brasília. O Brasil que se diz laico e vê um bando de marmanjos deputados erguer os braços na Câmara em transes pentecostais.

É exótico ver a Dilma rodando de bicicleta em Brasília, enquanto a crise pega todo mundo, miserável, pobre, rico e a classe média gigantesca, traída e amorfa. Dilma tenta tudo de marketing pessoal, além da dieta milagrosa que a deixou elegante e lépida, para fazer o país esquecer sua aliança com os pastores evangélicos. A banda mais reacionária, conservadora ao extremo, que recebeu dela isenções para igrejas. É o dízimo gordo do Planalto, o cala-veto.

Se Dilma criou, num discurso jocoso, a espécie “mulheres” sapiens, Eduardo Cunha, Silas Malafaia e seguidores tentam criar o “hétero” sapiens como a única espécie saudável e legítima para formar uma família. Isso não é só exótico, é perigoso. A ex-guerrilheira feminista estende o tapete vermelho para o neo-PMDB pentecostal, que não respeita o direito da mulher a seu corpo e ao aborto em qualquer circunstância, e que defende mudanças no Estatuto do Desarmamento para armar a população. No meio da crise, aprova a construção do bilionário ParlaShopping, para abrigar com pompa a Câmara e sua maioria de... como disse o ex-Lula... “picaretas”?

Dilma reza para todos os deuses, mas não cala seu diabinho criador, Lula, o opositor transgênero. Lula afirma que o PT de Dilma acabou com os sonhos e utopias, traiu trabalhadores e aposentados e “só pensa em cargos”. O que é isso, ex-companheiro, além de jogo de cena? Um dia após o outro, para padres ou laicos, Lula aperta a garganta de Dilma, a acusa de ter mentido na campanha e tenta se desvincular dela e do PT para salvar sua pele e o lulismo. Como se ele nada tivesse a ver com o que está aí. Como traduzir para um estrangeiro?

É o exótico patropi, uma casa brasileira com certeza. Onde um dos mais conceituados e mais populares jornalistas multimídia do Brasil, Ricardo Boechat, manda o pastor Malafaia “procurar uma rola”, em vídeo postado em rede social. Boechat chamou o pastor de “paspalhão e otário” e “tomador de grana de fiel”. O pastor tinha acusado Boechat de “idiota” e de “falar asneira” por comentar que igrejas neopentecostais incitam a intolerância religiosa e criam o ambiente para ataques como as pedradas em uma menina de 11 anos, praticante do candomblé. Dá para imaginar a situação, com personagens semelhantes, em outro país?

A rola provocou uma histeria nas redes sociais, com torcidas pró e contra. Uma histeria só comparável, em temperatura, à que se seguiu à morte trágica, em acidente de carro, do cantor Cristiano Araújo, o “sertanejo universitário” adorado por multidões, mas desconhecido por quem não gosta de música sertaneja. Um rolo compressor de mídia lacrimosa irritou quem nunca havia ouvido Cristiano cantar. Os fãs se irritaram com a “elite” que não curte música sertaneja, como se fosse uma traição à brasilidade. E, para culminar, Fátima Bernardes se confundiu e lamentou ao vivo a morte de “Cristiano Ronaldo”. O Brasil é muito exótico. Xô, ódio. Só o humor nos salva. Amém.


27 de junho de 2015 | N° 18207
EDITORIAL

PARCERIA ESSENCIAL

A presidente Dilma Rousseff chega aos Estados Unidos neste sábado com a missão de resgatar a confiança dos norte-americanos no Brasil e fortalecer uma parceria econômica essencial para a recuperação do país. É um desafio e tanto, considerando-se a conjuntura nacional e as incertezas que as indecisões do governo vinham transmitindo aos investidores.

É uma oportunidade também para que se inicie uma nova etapa nas relações com os americanos, quase dois anos depois de a presidente ter cancelado uma viagem a Washington em represália às denúncias de que organismos daquele país espionavam atividades governamentais e empresariais do Brasil.

Essa é uma questão superada. Importa que o governo de Barack Obama já enviou fortes sinais de que o tratamento à delegação brasileira será diferenciado. A comitiva ficará hospedada na Blair House, onde são acolhidos os visitantes considerados especiais.

Mesmo que as principais medidas do governo brasileiro, no sentido de corrigir a rota da economia, ainda dependam da aprovação do Congresso para implementação, sabe-se que não só os americanos, mas investidores de outros continentes, têm percebido mudanças na conduta do Planalto. Essa é a mensagem que a senhora Dilma Rousseff e seu ministros, em especial o titular da Fazenda, devem levar a Washington.

Trata-se, portanto, de muito mais do que uma missão da diplomacia. As autoridades brasileiras terão, em pelo menos quatro dias, a chance de conversar diretamente com empreendedores, em reuniões e seminários, e apresentar o mais recente programa de investimentos, de cerca de R$ 200 bilhões em infraestrutura. A expectativa é de retomada das relações em alto nível, para que os impasses dos últimos anos sejam finalmente esquecidos e os americanos contribuam para o início da recuperação da economia nacional.


27 de junho de 2015 | N° 18207
ARTIGOS - ALBERTO MENEGHETTI*

A TEORIA DOS 20

Um dos maiores fenômenos sociológicos do Brasil aconteceu entre abril e junho de 2013, reunindo milhões de brasileiros em várias cidades na chamada “Manifestação pelos 20 centavos”. Na verdade, esses brasileiros não estavam apenas contestando o aumento de 20 centavos nas tarifas de transportes públicos, mas sim representavam a nossa indignação com a situação política e econômica do momento, que ameaçava submergir e que teve seu auge neste difícil 2015, que parece não acabar.

No recente 20° Festival Mundial de Publicidade de Gramado, promovido pela Alap (Associação Latino-Americana de Publicidade), que reuniu milhares de estudantes e profissionais da comunicação para discutir o business publicitário, o que mais se viu e ouviu foi a criatividade nos negócios e a mente imaginativa dos executivos brasileiros, acostumados aos desafios, relatarem casos de sucesso e de superação nestes momentos bicudos.

Caso como o da agressiva empresa aérea Azul e o da JBS mostram que não existe outro caminho senão ousadia – e muita comunicação. Aliás, o relato do diretor regional da Associação dos Jornais do Interior do Brasil (Adjori-BR), Fernando Bond, foi emblemático. Segundo Fernando, existem hoje cerca de 4 mil títulos de jornais circulando para 165 milhões de brasileiros, na contramão de quem acredita que o mundo virou totalmente digital.

Sempre acreditei que o conteúdo é a bola da vez, seja ele travestido de digital ou no meio físico. E que a comunicação é fundamental para as empresas manterem suas posições de mercado. Voltando ao cabalístico número “20”, o que tenho escutado das lideranças de muitas grandes empresas nacionais é que “nossas vendas despencaram 20%”, ou “estamos cortando 20% da nossa força de trabalho” e também algo como “vamos cortar 20% dos nossos projetos”. E por aí vai.


Considerando que o percentual médio sobre o faturamento bruto das empresas investido em comunicação é de uns 3%, aconselho fortemente que a hora seja de não tirar o pé do acelerador, mas aumentar em 20% este número, passando este investimento para 3,6%, neste exemplo citado. A lógica faz sentido porque, se o mercado está caindo, as empresas são obrigadas a conquistar fatias que estão em mãos da concorrência. E nada melhor do que apostar na comunicação para fortalecer a sua marca e conquistar um maior share of market.



27 de junho de 2015 | N° 18207 
NILSON SOUZA

MESA LIMPA

Estudar menos e aprender mais é o sonho de consumo de todo pretendente ao conhecimento, seja candidato a vestibular, Enem ou estudante de qualquer campo de formação. Nestes tempos em que nossa atenção tende a se dispersar entre múltiplos apelos, facilitados pela tecnologia, quem não gostaria de encontrar a fórmula do aprendizado duradouro? Pois ela existe, mas não é mágica nem vem embalada numa cartela de pílulas para potencializar o cérebro. Mas está ao alcance de qualquer pessoa e pode ser resumida em duas palavras: esforço e método.

Uma vez, quando trabalhava para uma revista de educação, perguntei a uma professora o que os pais podiam fazer para auxiliar os filhos na lição de casa. Ela também usou duas palavras na resposta e me deixou um pouco desconcertado:

– Mesa limpa! – disse.

Depois, explicou que a melhor contribuição que os pais podem dar é criar condições ambientais adequadas para a criança se concentrar e fazer o que a escola pediu. Pois o ambiente, com silêncio, espaço, luz e rotina, é a primeira dica do professor Claudio de Moura Castro, colunista da revista Veja, no seu recente livro Você Sabe Estudar?.

Ele também sugere atitudes como evitar esforço demasiado na véspera das provas, organizar lista de tarefas a partir das mais relevantes, resumir de forma sintética o que o professor fala em vez de anotar tudo furiosamente, além de outras ações mais pensadas e menos estressantes.

O resumo da ópera é que ninguém precisa ser um gênio nem ter inteligência acima da média para aprender o que quiser. A disciplina para o estudo não é inata, pode ser conquistada, como o condicionamento físico dos esportistas, na comparação feita pelo próprio autor.

Acredito fielmente nisso. Sei que estamos passando por um momento de transição da humanidade em que o estudo parece ter perdido a importância, pois o professor Google está sempre disponível para dar as respostas, mas é o conhecimento que nos proporciona a oportunidade de evoluir como seres humanos. E o mais empolgante é que todos somos capazes de preparar uma mesa limpa para recebê-lo.