sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Jaime Cimenti

Ele se acha

Ele se acha. Se acha, imodestamente, pai de Deus ou, no mínimo, o melhor presente de Deus para a  humanidade. Tipo no título e nos versos da famosa canção celebrizada por Carly Simon, ele é muito, muito vaidoso e entra numa festa como se estivesse entrando no iate do dono do maior poço de petróleo do planeta. Ele se acha. Seu ego não cabe no oceano Pacífico, e ele não se enxerga. Ou só se enxerga no baita espelho do mar, o que dá no mesmo.

Ele provavelmente não vai ler esta modesta crônica, mas se, por acaso, botar os olhos nela, vai ter certeza que o assunto é ele. É tudo com ele. Ele é tudo. Quem mais poderia ser? Ele é o assunto do dia, da noite, das semanas, dos meses e dos anos. Ele acha que vai ser o assunto dos séculos e que a revista Time vai botá-lo na capa como o homem dos três milênios, acima de Jesus Cristo e São Francisco de Assis.

Ele foi feito para ser amado, odiado, falado, comentado, xingado, elogiado, interpretado, fotografado, criticado,  feito até para causar indiferença em alguns poucos pobres-coitados desconectados. Ele se acha o caminho, a verdade, a luz, o sol, a lua e as estrelas. No seu dicionário, a palavra limite dançou faz séculos. Ele acha que nem o céu é limite para ele. No fundo, lá na última hora do domingo de chuva, ele sabe que é um anjo de uma asa só, que precisa dos outros para voar. Ele sabe bem que é os outros, que, mesmo sendo o protagonista, não aguentaria uma plateia vazia.

Ele sabe que, no final, junto com os peões, os bispos, os cavalos, as torres, os reis e as rainhas, todos vão para a mesma caixa. Ele sabe, ele até diz isso, mas, no fundo, continua se achando, forte, frágil, inseguro e cheio de dúvidas, como quase todo mundo. Mas ele precisa se achar, para que os outros digam que ele se acha e falem bem e mal dele em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo, na  Padre Chagas, no Lindóia, no Parque Germânia, na Rua da Praia, no Parque dos Maias, no Humaitá e em todos os lugares do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo.

Ele não cabe em si e muito menos no universo. Ele acha os portenhos humildes demais. Ele sabe de sua missão divina, é consciente do seu papel  fundamental no teatro da história do mundo e que precisa continuar se achando, para não ficar perdido em meio às areias e à pátina do tempo. Se encontrá-lo, diga que o acha assim ou assado, que ele é muito  mais do que máximo, que ele dá vida a muitas vidas e conversas.


Diga que gosta muito de Deus, o filho querido dele, que nos legou isso tudo. Diga que ele existe, sempre existiu e sempre  existirá, como as pedras.
Jaimce Cimenti

A mais macabra das antologias

Em As melhores histórias das mitologias asteca, maia e inca, com organização e tradução de A. S. Franchini (formado em Direito e autor de As melhores histórias da mitologia celta; e, em parceria com Carmen Seganfredo, responsável também por As melhores histórias da mitologia nórdica, O anel dos nibelungos, Em mares nunca navegados, entre outros), o leitor terá a oportunidade de conhecer a mais macabra das antologias.

Corações extraídos a ponta de faca no alto de pirâmides, sacerdotes vestidos com a pele humana de guerreiros sacrificados, cavaletes de crânios enfileirados, expostos à luz do dia, e cordões de espinhos passados por dentro da língua. Esses e outros hábitos desconcertantes faziam parte do dia a dia dos astecas - um povo que, como nenhum outro, vivenciou com radicalidade máxima a sua religião. Na antologia, além de conhecer os espantosos deuses astecas, o leitor conhecerá as motivações religiosas que levaram os astecas a criar a religião mais sangrenta que a história humana já registrou.

Deuses como Quetzalcoat (a serpente emplumada) e Tezcatlipoca (o senhor do espelho fumegante) estão no volume, mostrando uma das civilizações mais incríveis da história universal. Para o autor, os astecas não eram monstros nem coitadinhos, mas um povo movido por um tipo de devoção radical, mas sincera. Na segunda parte da antologia, estão os mitos maias, com destaque para o resumo, em forma de contos, do Popol Vuh, um dos textos essenciais do grande arsenal mítico universal.

A terceira e última parte da antologia traz os mitos incas, com destaque para a lenda de Viracocha, o deus supremo andino e, também, para a crônica de todos os reis incas - desde Maneo Capac, o mítico fundador do império, até os “rebeldes” que lutaram contra a dominação espanhola. Como se sabe, as três mitologias compõem um dos mais importantes sistemas mitológicos criados no continente  americano. 

Os mistérios da chegada dos Astecas à América Central e muitos aspectos das ricas mitologias maia e inca estão no alentado volume de 512 páginas, editado por Antônio Luzzatto, com projeto gráfico de Juliana Dischke e que certamente seguirá como referência na matéria.

O livro permitirá aos leitores  o acesso ao importante sistema mitológico composto pelos astecas, maias e incas, que, antes, era praticamente desconhecido pelos brasileiros. Artes e Ofícios Editora,

www.arteseofícios.com.br.

28 de fevereiro de 2014 | N° 17718
ARTIGOS - Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

Mensalão, o desfecho

Após um longo tramitar processual, a Ação Penal 470, o famigerado mensalão, chegou a seu desfecho jurídico. A hora não é de foguetes nem de socos ao céu, mas de reflexão profunda sobre o ocorrido e seus efeitos pedagógicos para o futuro do país. Aliás, no artigo O Brasil pós-mensalão (ZH, 6/12/2012), já havia externado convicções em forma de letras: Senhoras e senhores, o Brasil está diferente. Mais do que diferente, o Brasil está melhor. Demorou, mas o dia chegou.

Com o julgamento do mensalão, a classe política está entendendo que a lei também se aplica aos poderosos. A farra felizmente chegou ao fim. Eis o ponto: a absolvição por quadrilha não apaga, em nada, o cipoal de crimes cometidos contra a nação. No resumo da ópera, ao invés de corruptos quadrilheiros, temos corruptos por coautoria. Serão, assim, os corruptos agora mais nobres?

Ora, o ponto alto de todo o enredo criminoso é que a classe política não vive mais no reino da impunidade desavergonhada. Através do exercício jurisdicional sério, digno e valoroso da colenda Suprema Corte, o Brasil caminha para um patamar de melhores níveis de decência pública. 

A punição de políticos corruptos, dentro de uma pauta de devido processo legal e ampla defesa, configura um avanço institucional importante para um país que quer e deseja ser honesto. No entanto, a construção jurídica de uma sociedade moralmente mais elevada é limitada aos preceitos da lei. Ou seja, o juiz, por melhores que sejam suas intenções, pode levar seu talento e espírito de justiça até as fronteiras da legalidade; a partir daí, as mudanças sociais precisam da política bem exercida.

Em outras palavras, a área jurídica é apenas um espaço do universo político. Nas suas zonas de intersecções constitucionais, pode o Supremo agir pontualmente no aperfeiçoamento, correção e fiscalização de eventuais transgressões das regras do jogo democrático. Aqui chegando, o dever público passa a ser do cidadão, que, através da prática diária da virtude, impulsiona os imperativos de decência e honradez a todos os campos da vida civil, vindo a culminar, ao final, com melhores hábitos e mais altos postulantes ao exercício digno da função pública. Enfim, sem bons, justos e ativos cidadãos a democracia fica à mercê dos corruptos.

O mensalão é, portanto, a prova provada de que o poder democrático pode ser usado por criminosos, legitimamente investidos em cargos políticos. Talvez aqui esteja a maior lição desse triste caso penal: quando nos distanciamos dos deveres da cidadania, a política vira uma farsa em favor de parasitas do poder. Sem cortinas, o Brasil esteve muito perto de se consorciar ao crime. 

E, quando a política fica criminosa, ser honesto passa a ser um risco de vida. O caso está encerrado. Os corruptos estão na cadeia. É hora de elevarmos a democracia brasileira; é hora de falarmos verdades sem farsas; é hora do encontro da nação com seus autênticos bons cidadãos. É a nossa hora neste atual momento histórico do Brasil! Em quem, então, você votará nas eleições de outubro?


*ADVOGADO, ESPECIALISTA DO INSTITUTO MILLENIUM

28 de fevereiro de 2014 | N° 17718
PAULO SANT’ANA

Prisão de luxo

Se por acaso um dia eu fosse condenado à prisão, torceria para que o tratamento no cárcere fosse igual ao que está sendo destinado aos condenados no mensalão no Presídio da Papuda.

Eles têm direito a visitas especiais sem qualquer horário estipulado, música ambiental, refeições especiais vindas de fora e trazidas por visitantes.

Dizem que os outros detentos do mesmo presídio estão fulos de inveja e que isso pode até vir a causar rebelião.

Além disso, aqueles condenados do mensalão que receberam penas de multa acessórias tiveram as multas pagas por vaquinhas providenciais.

Tratamento de luxo.

Além disso, José Dirceu e seus asseclas foram agora absolvidos pelo Supremo do crime de formação de quadrilha, com os protestos na sessão do presidente Joaquim Barbosa, que em suas manifestações deu a entender que havia gato na tuba dessa absolvição.

A maior mágoa que tenho da infância, a grande falta e trauma que trago da infância, foi não ter tido bicicleta.

Não me lembro bem se tive triciclo, mas bicicleta era um sinal de distinção para qualquer guri.

Esses dias, comprei uma bicicleta para exercitar os músculos das minhas pernas cambaleantes pela tontura.

Mas foi cruel que eu tenha sido um menino sem bicicleta e somente com 74 anos de idade tivesse recursos para comprar uma bicicleta. Notem bem que ainda assim não foi para minha diversão e sim para meus exercícios.

Um mínimo que um menino tem direito na infância é uma bicicleta.

Mas não me queixo, como adulto já troquei umas 11 vezes de carro zero-quilômetro.

Nem sempre a vida é feita de escolhas. Será? Eu, por exemplo, sempre tive as escolhas certas quando escolhi apressado. Quando meditei para escolher, quase sempre me quebrei.


Por exemplo: a escolha mais certa que fiz foi torcer pelo Grêmio. E a mais errada foi secar o Internacional.

28 de fevereiro de 2014 | N° 17718
DAVID COIMBRA

A tarefa de matar

Passei seis ou sete Natais da minha vida na casa do Lairson e da Moema Kunzler, na zona sul de Porto Alegre. Segunda passada, o Lairson foi assassinado com um tiro na cabeça na entrada do condomínio onde fica esta mesma casa de tantos Natais.

Lairson era um homem bom, e não há elogio maior que se possa fazer a um homem. Não há novidade no que aconteceu com ele. O Brasil é um país violento e, entre todas as suas cidades, Porto Alegre é das mais violentas.

Havia uma tese de que a violência seria consequência da miséria. Não é, e os números o provam – a miséria diminui a cada ano, a violência aumenta a cada dia. Há muitíssimos países mais pobres do que o Brasil e muitíssimo menos violentos.

A violência brasileira é cultural. É moral. O Brasil está falido moralmente.

Imagine que o Estado, o Grande Pai Provedor, segundo a crença dos brasileiros, imagine que o Estado, tornado ainda mais rico graças ao petróleo das profundezas, destinasse a cada brasileiro R$ 10 mil por mês até o fim da vida. Resolveria os problemas do Brasil? Não. O Brasil ia piorar. Todos os bandidos, vigaristas, oportunistas e corruptos deste país teriam mais dinheiro em que se refocilar, teriam mais mercado para se repoltrear. Você pode reunir todos os dólares do mundo, e com eles não conseguirá comprar meio quilo de integridade.

A relação do brasileiro com o Estado é doentia. O brasileiro espera que o Estado resolva todos os seus problemas e responsabiliza o Estado por todos os seus males, enquanto os comandantes do Estado não sabem como lidar com o povo brasileiro: os da direita o negligenciam, os da esquerda o vitimizam.

E aí está. Assaltos e roubos existem em quase todos os países, é verdade. Mas assaltos à mão armada, em menos. Assaltos à mão armada com sequestros e execuções, menos ainda. E o tipo de crime que atingiu o Lairson, em pouquíssimos rincões deste vasto e triste mundo. Porque o homem que matou Lairson foi de um profissionalismo seco. Ele tinha um objetivo: tomar o dinheiro que estava numa bolsa dentro do carro. Quando Lairson pisou no acelerador, colocou-se entre o bandido e seu objetivo. O bandido resolveu o problema da forma mais prática: disparou cinco tiros, feriu Lairson de morte, parou o carro, pegou a bolsa e foi embora. Missão cumprida.

Quer dizer: ali estava uma pessoa que, para alcançar seus fins, utiliza quaisquer meios. A vida de outro ser humano, para ele, não é objeto de ponderação. Tanto faz matar ou não matar.

Homens assim, brasileiros assim, estão em toda parte. Você deve ter cruzado com alguns no supermercado, se irritado com eles no trânsito, pode ter trocado palavras com um ou outro numa fila de repartição, num show, num bar da Cidade Baixa.

Qual é a culpa desse homem, além do óbvio crime que cometeu? Qual é o seu problema, que é também o problema deste país?


Ele não sente, ele não pensa. Essa é a culpa. O outro, para ele, não está em suas considerações. Ele não sentiu, ele não pensou, ele não sabe que o ato dele fez diferença, que mudará a vida de outras pessoas que com ele partilham o oxigênio da Terra. Ele não pensou que Lairson tinha uma mulher que o amava, a doce Moema, e três filhos. Não pensou nas dezenas, centenas de amigos que o prantearam no velório. Não pensou, não pode ter pensado em todos os que ficaram sofrendo pelos que sofrem por Lairson. Não pensou que os Natais na casa da Zona Sul nunca, nunca mais serão os mesmos.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014





Não ame pela beleza
Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba.
Não ame por admiracão, pois um dia você
se decepciona. Ame apenas,
pois o tempo nunca pode acabar
com um amor sem explicação.
Madre Teresa de Calcutá
By Keyla

BOM DIA







Armazena suavidade
O conhecimento torna a alma jovem
e diminui a amargura da velhice.
Colhe, pois, a sabedoria.
Armazena suavidade para o amanhã."
(Leonardo da Vinci)
By Keyla

BOM DIA

BOM DIA

Essencial é estar perto,
mesmo que em prece.
A distância não impõe barreiras
se existe amizade verdadeira.

* Sirlei L. Passolongo *




27 de fevereiro de 2014 | N° 17717
EDITORIAIS

OS MAIS IGUAIS

O Ministério Público do Distrito Federal pediu à Vara de Execuções Penais que convoque o governador Agnelo Queiroz (PT) para explicar e tomar providências contra privilégios que estão sendo dispensados aos condenados do mensalão no Centro de Progressão Penitenciária do Presídio da Papuda, onde estão integrantes do chamado núcleo político do processo. De acordo com reclamações de outros prisioneiros, até uma feijoada foi realizada para os petistas, que também recebem constantes visitas de parlamentares do partido, em horário não permitido.

As regalias concedidas ao ex-tesoureiro Delúbio Soares, inclusive, provocaram nesta semana a demissão de um diretor que se opôs às concessões. Por isso, se o governo do DF não tomar as devidas providências, o MP pretende pedir ao Supremo que o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro sejam transferidos para um presídio federal.

Os promotores alegam que o tratamento diferenciado fere os direitos dos demais detentos e aumenta o risco de rebelião. Desde a chegada dos prisioneiros ilustres, na metade de novembro, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), que controla o sistema penal no Distrito Federal, tem feito uma espécie de blindagem dos petistas, impedindo inclusive que representantes do Ministério Público exerçam livremente suas funções fiscalizadoras. Tais procedimentos são realmente inadmissíveis, pois representam uma evidente burla à condenação.

Ninguém pode querer que os condenados do mensalão sejam submetidos a tratamento degradante. Nem eles, nem outros prisioneiros. A função do Estado é proporcionar a todos que estão sob sua guarda o tratamento digno e igualitário que a Constituição Federal assegura a todos os brasileiros. Até por isso, as regalias constatadas causam preocupação. Se cada governador dispensar privilégios a correligionários que cumprem pena em presídios de sua jurisdição, o sistema penal vira um caos.

A condenação de figuras de destaque da política nacional pelo STF foi interpretada pela população como um divisor de águas na impunidade dos poderosos. Se a execução da sentença for abrandada por simpatia ideo- lógica ou comprometimento partidário, o Brasil estará tornando realidade uma preocupante mensagem da fábula do escritor George Orwell na célebre Revolução dos Bichos. 

Quando os animais assumiram o comando da granja, criaram os Mandamentos do Animalismo, uma espécie de Constituição do novo sistema que tinha como principal máxima o sétimo item: “Todos os animais são iguais”. Os detentores do poder, porém, passaram a desfrutar de privilégios e trataram de justificá-los de forma escrita, acrescentando um complemento: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.


E o socialismo virou totalitarismo.

27 de fevereiro de 2014 | N° 17717
ARTIGOS - Sérgio da Costa Franco*

Concursos públicos

De uns 30 anos para cá, um fato novo na vida social e cultural é o acentuado interesse pelos concursos para cargos públicos, que mobilizam milhares de concorrentes, em desproporção com as limitadas vagas oferecidas, tudo determinando avultados gastos em cursos preparatórios, viagens e taxas de inscrição, e uma imensa frustração da maioria, não classificada. A matéria tem sido objeto de projetos de lei no Congresso Nacional, que, se espera, possam eliminar aspectos sobreviventes do arbítrio e do autoritarismo.

Princípios básicos na aferição do mérito para a classificação dos candidatos nos parece que sejam a igualdade de oportunidades e a isonomia no tratamento dos concorrentes, de forma tal que não possa haver o mínimo arbítrio dos examinadores e o favorecimento pessoal a este ou àquele. Para que isso aconteça, é importante assegurar a impessoalidade na apuração do mérito. Tal preocupação já se manifesta hoje, na maior parte dos concursos de provas, pela não identificação dos concorrentes nas provas escritas. Ninguém pode assinar o termo de respostas ou o texto das exposições teóricas ou práticas. O sigilo dos dados identificadores é rigorosamente mantido até a atribuição das notas e sua publicação.

Entretanto, tais regras de sigilo são abertamente contrariadas pela manutenção das provas orais, em que candidatos e examinadores se conhecem e se relacionam. A contradição, no caso, é gritante. Quando, depois de definidos os aprovados nas provas escritas e objetivas, a ordem da classificação pode ser grosseiramente subvertida, porque os examinadores das provas orais favoreçam candidatos da sua simpatia ou criem dificuldades para os que lhes são antipáticos. As práticas do arbítrio e do abuso de poder, que herdamos dos longos períodos ditatoriais, lamentavelmente ainda perduram na gestão dos concursos públicos.

A oralidade é natural inimiga da isonomia. E se um examinador cria barreiras psicológicas em relação a um candidato, nada impede que o prejudique com perguntas especiosas, ou que lhe interrompa a exposição, ou que suste a inquirição arbitrariamente, antes que o concursando se recupere de um pequeno deslize. Ao revés, se o membro da banca examinadora alimenta simpatias pessoais por um concursando, formula perguntas fáceis, estimula-o a dissertar sobre o que revelou conhecer bem e, como remate, atribui-lhe nota alta, que há de contribuir decisivamente para a tabela final de classificação.

Quem acompanha ou observa concursos públicos em que haja provas orais está farto de conhecer esses fatos. O envolvimento pessoal de examinadores e de examinandos subverte a igualdade de oportunidades, e tanto pode promover a incompetência e obscurecer a inépcia quanto prejudicar e eliminar concursandos de mérito, este já evidenciado nas provas objetivas.

Honesta e democrática regulamentação dos concursos públicos, “de lege ferenda”, deveria banir definitivamente a oralidade, tornando as provas escritas decisivas para a classificação final dos candidatos.


*HISTORIADOR

27 de fevereiro de 2014 | N° 17717
PAULO SANT’ANA

Louro fulvo

Vocês já devem ter lido a piada que corre célere pela internet: o PT era um partido de presos políticos e agora é um partido de políticos presos.

Ah, se me lembro – e quanto – dos cabelos de minha antiga namorada: tinham o louro fulvo das abelhas!

Estudo seriamente voltar a morar em casa, isto é, sozinho, sem as incomodações dos condomínios.

No meu condomínio, atualmente, está estabelecido que coisas e objetos ou artigos que me são enviados ou devam ser entregues não podem subir para meu apartamento: uma série de medidas burocráticas do condomínio impede, por exemplo, que me sejam entregues várias caixas de refrigerantes: é um absurdo tão grande, que é difícil de acreditar.

Então, quer dizer que, para transportar seis caixas de refrigerantes, só mesmo se eu for buscá-las na portaria? Não há outra forma, segundo as normas do condomínio, de as seis caixas de refrigerantes chegarem às minha mãos. Isso é uma idiotice, de uma estupidez que não tem limite.

Estudo seriamente me mudar para uma casa, o risco de ser assaltado tem menor gravidade do que essas bobagens de que sou vítima no meu condomínio.

E será que a maioria do condomínio concorda com essa besteira?

Não quero me gabar do que não mereço: fui o último a acreditar que o Grêmio pudesse ter ótima presença nesta Libertadores.

Ainda está longe de ser ótima, mas os dois resultados obtidos até agora, contra o Nacional em Montevidéu e frente aos colombianos aqui na Arena, são excelentes.

E assalta a todos o medo de que Luan venha a ser vendido dali a pouco. Isto é fatal, todo jovem que se destaca é logo adiante vendido.

Tenho tanto medo de que os jovens bons jogadores do Grêmio venham a ser vendidos, que torço para que eles joguem mal. Se jogarem bem, serão vendidos.

Então, não é ruim para o Grêmio que joguem bem?

Agora mesmo, estão sendo anunciados vários jogadores gremistas que serão vendidos e entregues no meio do ano, entre eles Wendell e Ramiro.


Assim não tem graça o futebol.

27 de fevereiro de 2014 | N° 17717
 L.F. VERISSIMO

Frases

O Nietzsche tem uma frase terrível que Harold Bloom usou como epígrafe do seu livro Shakespeare – A invenção do humano: “Aquilo para o qual encontramos palavras é algo que já morreu em nossos corações”. Estranho pensamento (significando, se não me falha a interpretação, que só podemos falar ou escrever sobre o que não nos apaixona mais) para inaugurar um livro como o de Bloom, um tijolo de 745 páginas escritas com evidente paixão. 

Talvez o que Nietzsche quisesse dizer era que só encontramos palavras racionais para tratar de fatos quando os fatos já não desafiam a razão ou aceleram o coração. Ou seja: para escrever sobre um furacão, é melhor não estar no meio do furacão. Tudo é melhor compreendido à distância. Com o passar do tempo, todos nós viramos filósofos.

Aos poucos, estão sendo desvendadas as mentiras que a ditadura nos impingiu como verdades – e que, incrivelmente, continuam sendo verdades, ou no mínimo falsificações defensáveis, para a corporação militar – como as farsas montadas para explicar o desaparecimento de Rubens Paiva e a quase tragédia do Riocentro.

A distância vai tornando mais fácil examinar e falar sobre aquele Brasil de mentira, mas com o silêncio persistente dos militares sobre a sua própria história e com torturados e torturadores ainda vivos, além de muitos feridos indiretamente pela repressão na época, não se pode esperar que esta volta ao passado seja desapaixonada. Num texto magnífico publicado há dias, o Marcelo Rubens Paiva escrevia sobre o seu pai e sobre o que a família passou durante todos esses anos desde o seu desaparecimento, e certamente não falava sobre algo que já morreu no seu coração.

Nietzsche também definiu piada como o epitáfio para a morte de um sentimento. Interpretações a gosto. Acho que o que ele quis dizer se encaixa na atual discussão sobre os limites do humor. A respeito de um sentimento que não tem mais sentido pode-se fazer piadas à vontade, sem ofender ninguém. Quanto mais obsoleto e piegas o sentimento, melhor a piada. O diabo é que um sentimento pode não valer mais nada para o humorista mas ainda ser um sentimento vigente para outros, e aí se dá a confusão. Neste caso, o epitáfio é prematuro, pois o sentimento ainda não morreu.


Outra frase de Nietzsche, esta mais conhecida e menos enigmática é: o que não nos mata nos torna mais fortes. O que serve de consolo para humoristas obrigados a enfrentar os que não entenderam a piada.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


26 de fevereiro de 2014 | N° 17716
MARTHA MEDEIROS

O fim do “aqui entre nós”

Enquanto assistia à novela, você comparou a atriz ao Coringa por causa da plástica que ela fez na boca. Ao ver a foto de uma socialite no jornal, comentou que aquilo não era um penteado, e sim uma vingança do cabeleireiro. Num bar, deu uma zoada no garçom assim que ele se virou de costas: é a cara do Bart Simpson! A dona de olheiras profundas que é amiga da amiga da sua amiga não escapa de uma piadinha em off. Você não se conforma: por que a Teca continua usando aquela camisa azul-turquesa acetinada? E não acreditou no microtamanho do biquíni da vizinha de praia. Ela não tem espelho em casa?

Sei que você é boa gente e que jamais negaria um emprego ao garçom com cara de Bart Simpson, que ama de paixão a amiga que usa camisa azul-turquesa e que convidaria a vizinha fora de forma para ser madrinha do seu filho. Você sabe que as pessoas valem pelo que são por dentro. Você tem plena noção de que aparência não determina caráter, inteligência, talento, importância. Você não é burra. Você apenas pega no pé de vez em quando, como todo mundo.

Nenhum de nós passaria incólume por um “microfone aberto”. Falar mal faz parte da natureza humana, mas quem quer saber de absolver humanizações quando se pode ser o paladino da justiça? Todas as pessoas são terríveis e preconceituosas, menos você, não é assim?

É bem ilustrativo o caso da professora de uma universidade carioca que teve a infeliz ideia de fazer uma foto de um sujeito na área de embarque do aeroporto vestindo bermuda e camiseta regata, publicando-a no Facebook com a seguinte legenda: “Aeroporto ou rodoviária?”. Bastaram essas três palavras para ser afastada do cargo e sofrer um linchamento moral por internautas que não perdoaram a indelicadeza do registro.

Não defendo a postagem de fotos de desconhecidos no Face – aliás, não defendo nem a de conhecidos. Não considero elegante a atitude da professora, ainda mais que o rosto do sujeito foi exposto. É possível que venha a ser processada por ele: não foi uma crítica ao pé do ouvido, e sim pública. Não dá. Não pode. Que o cara se sentisse ridicularizado, era de se esperar, mas a reação exagerada da coletividade evidencia uma certa hipocrisia. A professora foi massacrada por todos os anjos do universo que jamais fizeram um comentário jocoso em suas vidas.


Particularmente, acho que homem de camiseta regata, só se for salva-vidas. Questão de gosto, opinião que se compartilha entre risadas com meia dúzia de amigas. Era o que a professora imaginava estar fazendo, sem considerar as consequências dessa nova sociedade em que nada mais fica “entre nós”, tudo fica entre todos. Ninguém deve humilhar ninguém, e ela o fez, mesmo que num impulso zombeteiro, sem intenção de que repercutisse fora da sua turma. Foi ingênua. Que sirva de exemplo para todas as postagens indevidas em redes sociais. Não existe mais piada interna.

26 de fevereiro de 2014 | N° 17716
HOSPITAL DE CLÍNICAS

A radiografia de uma discórdia

O futuro do atendimento de 15 mil pessoas que circulam diariamente pelo maior hospital universitário do Rio Grande do Sul está em discussão. Uma polêmica envolvendo defensores do patrimônio histórico e ambientalistas trava o início das obras de R$ 408 milhões no Clínicas, em Porto Alegre, que já deveriam ter começado há três meses. O plano é ampliar o espaço. A emergência, por exemplo, triplicará de tamanho.

OHospital de Clínicas de Porto Alegre aguarda o desenrolar de um impasse que impede o início das obras de ampliação e melhoria da instituição. O entrave se deve a uma divergência que se arrasta desde 2012. O centro da questão está voltado para a preservação da fachada do prédio. Caberá à Câmara decidir se aprova ou não o projeto. Ambientalistas também questionam o corte de 240 árvores para a construção dos dois anexos.

A discussão arquitetônica diz respeito ao estilo modernista do prédio, que o elevou ao patamar de edifício inventariado. Isso fez com que a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) impusesse restrições para colocar a obra em prática.

– Se aprovássemos do jeito que está, infringiríamos a lei – diz Débora da Costa, diretora da Epahc.

Para tentar desemperrar a obra, a prefeitura encaminhou para a Câmara uma proposta que autoriza uma alteração pontual na lei prevendo que o projeto do Clínicas seja aprovado na íntegra. A expectativa é de que o assunto entre em pauta dentro de 15 dias.

Ana Pellini, secretária de Licenciamento e Regularização Fundiária, explica que dois quesitos importantes previstos em lei eram descumpridos com o projeto do hospital. Um deles dizia respeito ao Plano Diretor, que obrigava que o estabelecimento tivesse 4.145 vagas de estacionamento para atender a todo o complexo, mas a instituição se propôs a fazer apenas 2.296. O outro é referente à lei de inventariado que impede uma construção que interfira na fachada.

– Se fere a lei, a melhor solução foi encaminhar à Câmara um projeto pedindo a exceção para o caso, considerando que é utilidade pública. Lá é o local adequado para a cidade se manifestar sobre qual é o valor maior: o arquitetônico ou a saúde – disse Ana.

Contestações à parte, o Clínicas vive uma corrida contra o tempo. Conforme o engenheiro responsável, Fernando Martins, se a obra não se iniciar em 2014, a instituição terá de devolver os R$ 408 milhões para o Ministério da Educação, ao qual é vinculado por se tratar de um hospital universitário federal.


KAMILA ALMEIDA E LARISSA ROSO

26 de fevereiro de 2014 | N° 17716
ARTIGOS - Paulo Roberto Ferreira Rodrigues*

“Nova hipótese” ou ausência de segurança?

Estarrecedor o artigo publicado em ZH do dia 21/02/2014 intitulado Justiça, razão e força, de autoria do comandante-geral da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, que, ao argumento de se inaugurar uma nova hipótese na relação de segurança pública do Estado, estimulou no seio da população um sentimento que vai da decepção à falta de esperança, da desordem ao descaso, do deixa como está porque nada será feito.

No entanto, essa “nova hipótese” foge à obrigação institucional que a corporação traz em seus ombros. Esse comportamento revela diante dos recentes fatos um flagrante descompromisso com a obrigação estabelecida pela Constituição da República, que preceitua em seu artigo 144: § 5º que cabe às polícias militares a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

No mesmo sentido, a lei máxima do Estado corrobora a assertiva e estabelece precipuamente no seu Art. 124 que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública, das prerrogativas da cidadania, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

A chamada “nova hipótese” apregoada, que estabelece o diálogo e a razão como fatores de superação da força, não pode ser usada como justificativa para a omissão e o descaso, especificamente na greve no transporte coletivo da Capital. Ficou patente que a ordem foi ferida com a impossibilidade de cerca de 1 milhão de usuários exercerem o direito ao transporte público, enquanto nas garagens uma minoria impedia que dezenas de profissionais pudessem trabalhar.

Assim, que ordem, que direito, que incolumidade pessoal ou patrimonial foram preservados ou mantidos pela Brigada Militar?

Ao se referir à doutrina anterior que visava impedir que os trabalhadores se organizassem em piquetes e os obrigassem a trabalhar pela força, afirmou que isso ocorria em infringência à lei, pois ela assegura aos trabalhadores o direito a piquetes.

Nesse aspecto, demonstrou a quem se destinou o privilégio da superada ideologia, pois o papel da Brigada no episódio quinzenal foi de proteção aos piquetes assegurando que estes poderiam impedir que outros profissionais pudessem trabalhar se o desejassem e deixou milhares de usuários sem transporte coletivo. É assustador, pois o privilégio dado à minoria causou insofismável desordem aos munícipes. E pasmem! Sob atentos olhares da Brigada Militar.

O direito à realização de piquetes possui limitações e são previstas na Lei 7.783/89, em artigo 6º, que assegura aos grevistas o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve. No entanto, as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não podem impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. Logo, a conduta da Brigada ao arrepio desse tema não convenceu. Ao contrário, demonstrou que Porto Alegre foi por aquele período uma cidade sem ordem.

Assim, essa “nova hipótese” não pode substituir as teses e antíteses consagradas na doutrina da Segurança Pública e que seu nascedouro seja também marcado pelo seu sepultamento, pois a população anseia que sejam respeitados os direitos às manifestações, às greves e às lutas democráticas, mas também que sejam mantidas a ordem, o Estado democrático de direito e, acima de tudo, as instituições. Papel este inafastável da centenária Brigada Militar.


*Advogado - PAULO ROBERTO FERREIRA RODRIGUES*

26 de fevereiro de 2014 | N° 17716
PAULO SANT’ANA

A dor

Afinal, o que é a dor? Atestam os cientistas que a dor, muitas vezes, se constitui em sinalização de presença de doença importante.

Nesse ponto, penso que a natureza falhou: ela bem que podia poupar as pessoas da dor, sinalizando as doenças importantes por algo menos cruciante, como a dormência ou o arrepio.

E só porque existe a dor é que existe um dos mais pérfidos comportamentos do ser humano: a tortura.

Tenho aqui arrolada a hierarquia das piores dores.

1) A pior dor é a da cólica renal.

2) A segunda pior dor é a dor biliar, ocasionada por cálculos localizados na região do abdômen.

3) A terceira dor mais forte é a dor muscular, que pode ser ocasionada pela pessoa que pode ter realizado um esforço físico de forma inadequada, tendo produzido um mau jeito. Essa dor pode vir a se agravar com a inflamação de músculos e ligamentos.

4) A quarta maior dor da minha relação é a enxaqueca crônica. Tive amigos que a tiveram, sua queixa era candente. Não se conhece profundamente a origem da enxaqueca. Às vezes, a enxaqueca se manifesta pela fotofobia, que consiste em que a pessoa não possa olhar para a luz, o que lhe causa dor.

5) A quinta dor é a mais popular: a dor de dente, ocasionada por cárie ou também por abcessos que podem se romper e chegar aos nervos do paciente, provocando muitas vezes o inchaço da região.

Tive muita e inconsolável dor de dente na minha infância e juventude.

6) A sexta dor da minha relação é a dor do infarto. É uma dor terrível, parece que alguém está apertando literalmente o seu coração com uma das suas mãos.

7) A sétima dor da minha relação é privativa das mulheres: a dor do parto normal. Sabem lá o que é uma cabeça e depois o corpo inteiro do bebê saindo pelo seu canal vaginal?

8) Temos como oitava dor mais forte a dor de gota. É causada pelo excesso de ácido úrico no corpo e faz com que todas as articulações possam vir a inchar, doendo quando se movimentam.

9) A nona e famosa dor é da hipertensão intracraniana, quando há algo de errado com a nossa cabeça e ela acaba por fazer pressão sobre o crânio, não há assim para onde a dor se expandir e só um tratamento pode vir a curá-la.

10) Espantosamente, a última dor arrolada pelo meu levantamento é a dor da queimadura de segundo grau, mas consta que a dor de queimadura acima do segundo grau é pior ainda e só cessa quando for resfriada a região atingida, o que demora muito.

Temos, assim, a relação das piores dores. Idiotamente, não consta na minha relação uma dor cruciante, terrível, no meu entender pior do que a dor de dente, que é a dor de ouvido.

Já tiveram dor de ouvido os meus leitores? É algo difícil de suportar. E, quando eu era jovem, havia apenas remédios sedativos, que não cessavam por inteiro a dor, aliviando-a, digamos assim, pela distração.

O remédio mais popular do meu tempo era o Auris-Sedina.

Confesso ignorar os remédios para dor de ouvido que foram achados mais tarde pelo avanço da ciência, eis que há mais de 30 anos não vejo ninguém queixar-se dessa dor que foi célebre.

E duas dores proverbiais, a dor de cotovelo e a dor de corno. Algumas duram décadas.


Como doem!

24 de fevereiro de 201478
Rosane de Oliveira

O prédio, as árvores ou a vida?

Está nas mãos dos vereadores de Porto Alegre a decisão sobre o projeto de ampliação do Hospital de Clínicas, barrado pelo Conselho do Patrimônio Histórico por alterar a fachada de um prédio considerado ícone da arquitetura modernista. Entidades de defesa do ambiente também se mobilizam contra o projeto porque ele prevê a derrubada de 240 árvores plantadas em 1977 _ metade das que estão na área do estacionamento, em frente à Avenida Protásio Alves, ou 10% da cobertura vegetal de todo o terreno do Clínicas.

Sou uma plantadora de árvores que defende a preservação do ambiente, mas no caso do Hospital de Clínicas penso que é preciso pensar primeiro na vida dos pacientes que dependem de atendimento nessa instituição. As árvores que serão retiradas para a construção dos dois anexos podem ser compensadas com o plantio de mais mudas em outras áreas. Inadmissível é privar os pacientes do SUS da ampliação do atendimento em um hospital de referência que está estrangulado pelo aumento constante da demanda.

O ideal seria compatibilizar a ampliação do hospital com a preservação das árvores e da fachada, mas a direção do hospital alega que isso é impossível. O prefeito José Fortunati se convenceu de que, de fato, não há como construir os anexos em outro local. Entre outras razões, porque a emergência _ que passará de 1,7 mil metros quadrados para 5,1 mil metros quadrados, precisa estar em área de fácil acesso para ambulâncias e para pacientes que chegam por outros meios.

Quem já visitou a emergência dos Hospital de Clínicas em dias de superlotação (quase sempre), com pacientes amontoados à espera de um leito e familiares sem um local adequado para esperar notícias, tem dificuldade para entender a resistência ao projeto. Hoje, médicos, enfermeiros e auxiliares mal conseguem circular entre os pacientes, muitos deles acomodados em estreitas macas por falta de espaço.

Se a ampliação for autorizada, três anos depois o número de leitos do Centro de Tratamento Intensivo subirá de 54 para 110. Com a liberação de áreas do edifício principal, serão instalados mais 155 leitos de internação (hoje são 845), o bloco cirúrgico passará de 28 salas para 41, dobrará a capacidade de realização de diálise e de leitos de endoscopia.

Os vereadores enfrentarão pressões de todos os lados. Não será uma decisão fácil, porque a Câmara terá de fazer uma escolha de Sofia entre o prédio, as árvores e a vida.


Na reprodução abaixo você pode ver como ficará o prédio do Hospital de Clínicas e a parte em frente se a ampliação for aprovada.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014


25 de fevereiro de 2014 | N° 17715
EDITORIAIS

Desestímulo à educação

O Brasil, que ocupa os últimos postos no Pisa, a mais importante pesquisa internacional sobre educação, é um dos que menos incentivam contribuintes interessados numa educação de qualidade no ensino privado. A partir de amanhã, quando já estará disponível o programa para o acerto de contas com a Receita Federal, quem paga Imposto de Renda irá confirmar na prática que tem direito a deduzir apenas R$ 3.230,46 por conta de despesas de quem estuda em escola particular. O limite é suficiente para bancar apenas o equivalente a dois meses de estudo e se mostra muito inferior ao de países que, por verem a educação realmente como prioridade, permitem dedução superior ou mesmo integral.

Essa deformação no limite de educação, definido há meio século, precisa ser corrigida logo. Ainda que apenas 12% dos alunos estudem em escolas particulares no Brasil, uma mudança de critérios não pode simplesmente ser acusada de elitista. Os cidadãos têm o direito de apostar num ensino de qualidade superior, no qual não faltem professores e haja uma preocupação maior com qualidade do que no setor público. Mas, a exemplo do que ocorre na saúde, área na qual os gastos são integralmente dedutíveis, os brasileiros deveriam ter uma compensação maior na hora de acertar as constas com a Receita Federal.

Pelo menos duas iniciativas em andamento preveem uma elevação nos limites de abatimento. Uma delas está em exame na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A outra é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Como o Planalto alega perdas insuportáveis com uma eventual elevação, o mínimo que o contribuinte precisa exigir é o máximo de transparência sobre essas projeções. O governo federal, que se diz comprometido com avanços no ensino e já incentiva tantas áreas de atividade, precisa ser convincente sobre as razões para tanta resistência nesse caso.



25 de fevereiro de 2014 | N° 17715
FABRÍCIO CARPINEJAR

Perda da virgindade

Eles se encontravam sozinhos pela primeira vez: adolescentes namorando na sala.

Gisele perderia sua virgindade naquela noite. Escolheu muito a quem se entregar. Foi como definir um espelho de corpo inteiro.

Passaria a madrugada no apartamento de Fabiano. Os pais longe. Os pais dele tinham ido passar o final de semana em Gramado.

Havia suavidade. Havia firmeza. Havia carinho. Havia paciência. Havia tempo para se conhecer, desistir, voltar. Havia espaço para querer e não querer. Para não fazer nada se faltasse vontade. Optou por um homem compreensivo acima de tudo, e com ombros largos para desabar quando chegasse o prazer derradeiro.

Decisão difícil depende da liberdade dos adiamentos. Ela não queria forçar, esperava a inspiração da pele. A pele diria quando seria a hora.

Perder a virgindade não era para ser de qualquer jeito. Era para ser de seu jeito. Como se contasse seu sonho a alguém no exato momento em que sonhava.

Depois do sexo, depois de se doar inteira, de descobrir como se geme junto, de ouvir seu grito e acompanhar sua respiração falhada, Gisele tomou longo banho. Não pretendia se limpar, e sim comemorar o ato com a água. Vinha se sentindo diferente, e buscava se entender. A mulher toma banho para se entender – é onde o pensamento se acalma.

Na saída, feliz e amorosa, ela pediu um favor para Fabiano.

– À vontade , disse Fabiano.

– Mesmo?, ela pretendeu confirmar.

– Mesmo!

– Posso levar o sabonete comigo?

– O quê?

– O sabonete!, ela reiterou.

– Sim. Sim. Sim.

Ela foi até a cozinha, pegou um guardanapo, e enrolou o sabonete redondo. Como se fosse uma maçã. Com cuidados de uma fruta. Colocou na bolsa e partiu.

Fabiano talvez nunca tenha compreendido esse gesto.

Mas mulher tem rituais. Rituais são lembranças de lugares especiais.

Mulher guarda toalha bordada, travesseiro de criança, pulseiras, canetas. ingressos. Coisas que simbolizam etapas de seu crescimento. Assim como viajamos a um país diferente e carregamos uma recordação de outra cultura, para fixar nossa passagem, a mulher guarda relíquias das principais fases de sua vida: da infância, dos pais, dos namoros, dos amigos, do casamento, dos filhos, da velhice.

Toda mulher mantém uma caixinha de sapatos ou uma lata de panetone ou um estojo no fundo de seu armário com sua história. É uma arqueóloga de suas descobertas. Quando bater a tristeza no futuro, ela voltará para aquele cofre afetivo para constatar que não viveu à toa.


E o sabonete estará lá. Seco, perfumado, com o gosto intacto da coragem da primeira noite.

25 de fevereiro de 2014 | N° 17715
 LUÍS AUGUSTO FISCHER

Os ovários das personagens

Um dos vários livros que aguardam leitura, em pilhas que curto muito visitar aqui em casa, finalmente ganhou o primeiro lugar na corrida imaginária pela disputa do meu escasso tempo. Ainda não terminei de percorrer suas páginas e já o admiro para sempre. Trata-se de Os Ovários de Mme. Bovary, de David e Nanelle Barash (são pai e filha), traduzido por Cláudio Figueiredo para a agora extinta Relume-Dumará, do Rio (edição de 2006). O subtítulo ajuda a entender a piada do título: “um olhar darwiniano sobre a literatura”.

Gente com formação em biologia mexendo com literatura? Pois é: uma beleza. Oferecem momentos de grande iluminação, ainda mais quando escritos, como é o caso, por gente que não quer acabar com a conversa letrada ou humanista, mas espera acrescentar novas percepções.

Os Barash oferecem uma série de leituras encadeadas sobre clássicos da literatura, desde gregos até Shakespeare, Dostoiévski a Phillip Roth, Steinbeck e Mario Puzo. E Flaubert, naturalmente. O que fazem é ler comportamentos de personagens segundo regularidades já detectadas e explicadas pelos evolucionistas.


Por exemplo: o ciúme de Otelo (ou de Bentinho, que os Barash não conhecem, nem sabem o que perdem) terá a ver diretamente com a insegurança ancestral dos machos em relação à paternidade. Por mais lustrado que seja o homem, há nele uma antiga dúvida, que nosso DNA está programado para manter alerta. Quanto aos mencionados ovários, bem, a sra. Bovary parece ter seguido um velhíssimo procedimento de fêmeas, galgar um degrau nas relações com as demais criaturas do bando ao preferir o macho bonito e forte ao feio e fraco.

25 de fevereiro de 2014 | N° 17715
PAULO SANT’ANA

Viciado em refrigerante

Vejo centenas de mortes nas ruas da Ucrânia. Vejo dezenas de mortes nas ruas da Venezuela. E comparando com o Brasil só aí é que me apercebo da estabilidade política em nosso país, há tempos não assistimos a governos derrubados pela força e desconhecemos violência policial nas ruas que redunde em mortes.

Hosanas!

Percebo sutilmente que bebo de cinco a sete latas de Coca-Cola Zero por dia.

Sei que estou errado, devia beber mais água mineral. Mas cadê o sabor na água? Se eu encontrasse sabor na água insípida, eu a beberia.

Mas o refrigerante deve conter algum componente que vicia tanto quanto a cerveja.

Essa Coca-Cola Zero é sensacional, esqueci da Coca natural.

Ah, que saudade dos tempos do Crush, quando ele trazia junto até a polpa da laranja! Existe ainda um refrigerante com este nome, mas é pura tintura com sabor artificial de laranja.

Noto que o segredo dos refrigerantes está no gás que lhes é injetado.

Fez sucesso, pelo número de mensagens que recebi, minha coluna relembrando os bondes em Porto Alegre.

Em Porto Alegre havia, mais propriamente só na Rua da Praia, um refrigerante que se chamava Hidrolitrol, era pura água com gás, mas muita gente era viciada nele.

E havia também, em carrocinhas de alumínio que transitava pela cidade, o mate gelado. Que lindos tempos os do mate gelado. Mas agora há este mesmo mate gelado em copos plásticos vendidos no comércio.

Coisa boa!

Jogo importante este de hoje na Arena. E oportunidade então de ver novamente o menino Luan, muitos e muitos torcedores mandam mensagens com medo de que o Grêmio venda Luan.

Mas o futebol virou nisso infelizmente: quando aparece um grande jogador, logo em seguida aparece junto a oportunidade de vendê-lo.

Que belos tempos os das décadas de 50 e 60, quando o Grêmio tinha um jogador do naipe de Airton Ferreira da Silva e não se vendia os craques, Airton jogou mais de 10 anos no Olímpico.

Se o Grêmio hoje ganhar a segunda partida consecutiva na Libertadores, dará um grande passo rumo à classificação.


Todos à Arena!

25 de fevereiro de 2014 | N° 17715
DAVID COIMBRA

A fúria do céu

Océu não se enfurece como o amor tornado em ódio.

Li essa frase algum dia, em algum livro. É de um poeta americano. Ou inglês. Gostei da frase, cito-a de vez em quando para causar impressão na mesa do bar. Meus amigos vasculharam os intestinos do Google e não acharam o autor. Dizem que a frase é minha, que estou mentindo com essa história de poeta inglês. Por que mentiria? Gostaria que fosse minha, me exibiria com ela por aí, dedo em riste, sobrancelha esquerda levantada. Mas não é. Pena.

O céu não se enfurece como o amor tornado em ódio.

Bonito. E verdadeiro.

Nunca odiei um ex-amor, não sou homem de ódios. De suaves desprezos, talvez. De indiferenças cansadas, certamente. Mas já cheguei ao estágio da raiva, tendo antes passado pela tristeza profunda, pela humilhação abjeta, pela tristeza de novo e pela raiva outra vez.

A fase do ódio mais poderoso do que o céu negro da tempestade não me alcança porque, de repente, passo uma noite inteira cevando a desilusão dentro de uma garrafa de cerveja, chego em casa de manhã, ouvindo o canto dos pássaros e vendo as pessoas praticando jogging em cima de tênis com dez amortecedores, adormeço concluindo que estou em plena decadência, só que sem elegância, e, no dia seguinte, surpresa... não penso mais nela. E se passa outro dia e ela não dói mais em parte alguma e então vou olhar para dentro do meu peito e lá não encontro nada. Não existe mais amor, nem dor. Só o vazio. O que aconteceu com aquele amor forte como a morte, como entoavam os cantares de Salomão? É que até o amor maior do mundo apodrece de rejeição.

Um alívio. Mas também uma tristeza. Porque aquele amor, mesmo que doesse, tornava a vida grande.

Já não há mais dor, já não há mais sofrimento, mas agora a vida é menor. Porque a função do amor romântico é essa: é tornar grande a vida. Tudo na sua vida é pequeno, tudo é comezinho, depois que você morrer a lembrança do seu nome se dissipará na poeira dos anos como se você não tivesse respirado debaixo do sol, mas, se você viveu um amor poderoso, se você foi capaz de entregar a alma para outro ser humano, ah, então houve algo de grande na sua existência. Então valeu a pena. O amor existe para nos fazer imortais.

Mas se nem o amor lhe sobrar, se você, como eu depois de uma madrugada de fogo e desafogo, sentir o peito vazio, sempre há o auxílio luxuoso das crenças mundanas ou sacras do ser humano. A religião. A política. Ou a paixão do futebol. Porque é essa também a função do futebol: engrandecer a vida. Aquele jogo que reúne em hora e meia tanto drama, tragédia, comédia, fracasso, glória e decepção, como um romance, aquele jogo lhe dá a ilusão da grandeza. É por isso que o futebol é caro ao povo brasileiro, que quase sempre vive uma vida tão sem sentido, tão rés do chão. É por isso que a Copa do Mundo deste ano será um sucesso.

É por isso que quem protestar contra a Copa será escorraçado pelo povo como se fosse um corrupto que leva dinheiro na cueca. Porque, pelo menos por um momento, o povo brasileiro vai se sentir grande. Como se vivesse um amor mais forte do que a morte, mais furioso do que o céu que se enfurece.

Sintonia espiritual

Havia uma sintonia quase espiritual entre Luan, Dudu, Ruiz e Barcos, sábado, contra o Novo Hamburgo. Eles não corriam, eles levitavam. Eles bailavam em meio ao desespero dos marcadores. E a torcida gania de prazer.

Quem os viu no sábado decerto quererá que Enderson os escale todos juntos, sempre e sempre.

Mas era contra o Novo Hamburgo, que não está nem na Série B. Era Gauchão. Era começo de ano.


A vida não é tão fácil, ah, não é mesmo.